Morar numa metrópole como São Paulo tem lá suas vantagens: há atividades culturais e artísticas para todos os gostos, o deslocamento geralmente é facilitado pelas vias de trânsito ou por sistemas de transporte público, a gastronomia é diversificada e você tem a oportunidade de conhecer pessoas oriundas dos mais diversos lugares, que vieram “tentar a vida” na cidade grande.
Tentar a vida: está aqui um conceito que volta e meia me faz refletir sobre uma série de fatores. O Brasil é um país enorme e o deslocamento de pessoas que buscam melhores condições de vida e oportunidades de trabalho é característica de nossa população, mas este é um assunto para outro artigo, devido à sua complexidade.
Pensando nos grandes centros urbanos, dando como exemplo a região metropolitana de São Paulo, a gente tem de se acostumar a correr: correr para se arrumar quando acorda, correr pra pegar o ônibus/metrô/trem ou, em caso de veículo próprio, contar com o tempo parado no trânsito, correr para não chegar atrasado, correr para comer e voltar correndo para casa para tentar descansar. Temos também de desempenhar nossos outros papéis: relacionamentos, família, atividades físicas e o que o tempo permitir, dormir para começar tudo outra vez no dia seguinte.
E nessa correria do dia a dia o nosso maior desafio é não nos transformarmos em um “robô” sem perceber o que acontece à nossa volta. Infelizmente, é tanta correria, é tanto compromisso, é tanta coisa para resolvermos que a gente muitas vezes se esquece que muita coisa está acontecendo ao nosso redor.
É um exercício que não é muito difícil de se fazer: no trajeto até nosso trabalho, quantas pessoas a gente encontra, muitas delas semelhantes a nós, também correndo para ir para seu trabalho ou para desempenhar sua rotina diária? E quantas pessoas que ficam pelo caminho, que não conseguem viver o “tentar a vida” e no máximo, conseguem sobreviver a um dia de cada vez?
E é sobre essas pessoas que gostaria de tentar refletir: nossa sociedade está vivendo num ambiente um tanto hostil: parece que a gente não mais se choca com as tragédias que volta e meia acontecem, com as vidas que são perdidas em situações que poderiam ter sido evitadas; parece que a gente está se acostumando a conviver com pessoas que passam fome, que dormem nas ruas, que são desprovidas de todos os direitos possíveis previstos em nossa legislação. O máximo que, às vezes, conseguimos fazer é um texto inspirador em redes sociais ou aquela moedinha que, eventualmente, nos sobra é combustível para afastar essas pessoas de perto de nós.
Minha intenção com essa reflexão não é de forma alguma proferir um discurso assistencialista no qual indique que as pessoas precisam ter tudo o que quiserem a qualquer preço, ao contrário, meu questionamento é reconhecer que estas pessoas são como eu e o que me difere delas é o que aconteceu com a minha vida, que pode não ter acontecido com a vida delas. Também sou filha de um migrante que, ao chegar em São Paulo, há quarenta anos, foi empregado em uma empresa que e ali ficou até se aposentar, conseguindo dar à minha família e à mim uma vida modesta, porém muito confortável.
Essa é uma tentativa de resgatar um pouco da empatia nossa de cada dia: não precisamos dar nada a ninguém, mas podemos simplesmente respeitar a escolha das pessoas que estão à nossa volta, respeitar o sofrimento, respeitar aquilo que ela chama de vida e que costumamos achar tão errado. Respeito e empatia são coisas tão clichês na contemporaneidade, fala-se tanto por aí, escreve-se tanto, mas estão tão em falta no dia a dia das ruas e do concreto. Ainda assim, acredito ser oportuno falarmos muito mais e praticarmos excessivamente o olhar para o outro. Pode ser a minha promessa de ano novo e desejo revisitar estes tópicos durante todo o ano de 2018: aceita vir comigo?
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Rosana Quevedo (@rosanamquevedo) é assistente social de uma universidade pública, acredita que só a educação será capaz de transformar o mundo em um lugar melhor. Adora estudar, mas ultimamente ser titia da Melissa tem sido sua grande inspiração para desejar que as pessoas sejam mais humanas.
(Foto Antonio Jaggie (Kosten)