FORTALEZA, MEU CHAMEGO – KELVIS SANTIAGO

FORTALEZA DE AFETOS E HISTÓRIAS: UM CASO DE AMOR COM O CENTRO.

Da fachada da EMCETUR a vista para o mar é formidável.  É bem dali, daquela antiga cadeia pública – hoje mercado turístico de pavilhões ocupados por rendas e artesanato – que podemos contemplar os verdes mares bravios da praia de Iracema, na altura do Marina Park. Estamos no centro de Fortaleza, uma das capitais mais visitadas do Brasil, famosa por suas praias, gastronomia, boa gente e sol de rachar o quengo. Local de cores e gostos que cada vez mais dá as costas ao que tem de mais precioso e singular: a sua memória. Saindo dos muros da EMCETUR e seguindo rumo a catedral temos o Passeio Público, lugar de mansidão e muito verde para quem quer dar uma parada em meio à algazarra dos ambulantes das ruas vizinhas. O que já foi palco para diferentes momentos históricos, da execução dos confederados do Equador à quartel-general de prostitutas, hoje cai bem para quem quer desfrutar de um almoço com sossego; com um pouco de sorte até se vê os pássaros a brincar nas fontes. A vista para o mar ajuda na digestão.

Os que pelo passeio caminham desavisados, se forem de olhos espertos, vão se deparar com um prédio grande de fachada amarela, imponente por si só, bem na esquina próxima ao 10º Batalhão. É o Museu da Indústria. Está com tempo? Por que não entrar e aprender sobre as fases da industrialização do Ceará? Com sorte é possível acompanhar alguma novidade, como a exposição que conta a história da carnaúba – espécie emblemática e endêmica do nordeste brasileiro – que tive a chance de acompanhar. Dela tudo se aproveita, do talo à raiz. E pense numa bichinha pra viver quase sem água e sem besteira. Tô pra ver simbologia melhor que retrate o cearense.

Seguindo pela Alberto Nepomuceno e não tendo um pingo de pressa, pode-se ver que há muito mais beleza para se admirar nos arredores. Tem aquela catedral imensa de bonita? Tem sim. Mas também tem cada fachada antiga e cada história sendo contada. Tudo carregado de cheiros e cores. Basta entrar ali na Travessa do Crato para conhecer uma Fortaleza de gente alegre e trabalhadora. Você até pode ser recebido pela estátua do Brizola, mas é no Raimundo do queijo que dá pra sentir a energia que contagia, especialmente se for num sábado regado a boa música e uma cervejinha. Porque ninguém é de ferro.

Seguindo em frente e entrando à esquerda na rua Floriano Peixoto, viajamos no tempo. Aquelas construções em diferentes estilos arquitetônicos nos transportam por diferentes períodos de uma história que vem sendo contada e esquecida pelos próprios protagonistas dessa narrativa. Tem o prédio dos Correios, o museu do Ceará, as sedes do Itaú e Caixa Econômica, tudo lindo que dói, mas que muitas vezes nem recebem um segundo olhar por quem está só de passagem. Isso porque quem por aqui passa tem pressa. E haja perna pra andar ligeiro. Vir ao centro é sinônimo de garantir a melhor compra e o menor preço. Passear mesmo só se for na praia. Toco em frente até enfim chegar à Praça do Ferreira, onde aproveito pra comer aquele pastel com caldo de cana e sentar um pouco pra assistir o espetáculo das gentes que por ali passam. Tem de tudo, um verdadeiro raio X do que é nossa cidade. Do que é nossa história. Do que é essa Fortaleza que vem de algum lugar e que vai sabe lá onde. Alguém arrisca?

Termino o pastel e também o relato. E sabe mais o quê? Uma bendita de uma dúvida me acompanha, cutucando aqui de lado, me puxando pela orelha e soprando em meu ouvido, cobrando algo que eu não fiz, bem como deixam de fazer os muitos que constroem esse espaço de afetos e memórias que hoje revisito: até que ponto é possível viver ignorando a própria história? Até que ponto se deve seguir em frente sem olhar para trás e aprender com o que já foi? Fica o questionamento e todo um centro a ser (re)descoberto. Ainda há tempo.

 

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Kelvis Santiago (@kelvissn) é cearense e apaixonado por histórias. Não dispensa um bom filme e nem uma boa cerveja. Cabra da peste e da poesia. Formado em Letras e servidor da Universidade Federal do Ceará.