O VAZIO – ALEXANDRE MELO

Já é madrugada e ele caminha sem rumo por aquela avenida que não para nunca e nem se importa de abrir o guarda-chuva para proteger sua cabeça raspada e sua barba farta – visual que ele adotou desde que ela se foi – da garoa insistente, marca registrada da cidade.

Para num café, precisa de uma bebida mais forte naquela noite. Um irish coffee, por favor, com uma dose maior de uísque – pede para a moça indiferente que o atendeu. Senta-se na parte de fora, sentindo o vento cortante em seu rosto, e assim que chega a sua bebida, para de tentar controlar seus pensamentos e se lembra de tantas coisas que passou ao lado dela naquela cidade: o passeio aos parques, onde se esqueciam do mundo, perdidos em beijos e carícias, do dia em que a fez gozar em silêncio num cinema lotado, de ir ao mercado municipal e quase falirem de tanta coisa que compraram, do dia em que achou o pinguim de pelúcia que a fez se tornar criança de novo, das visitas aos museus e livrarias, dos almoços juntos, do dia que ele comprou vários vestidos pra ela e ficava encantado como se a visse pela primeira vez a cada momento em que ela saia do provador, da forma brega que ele planejava pedi-la em casamento naquela avenida…

Quando ele percebe, o sol já ameaça nascer. É hora de ir embora, ele pensa, guardando essas lembranças num lugar seguro de sua mente. Sai do café, percebe um bar aberto e pede uma garrafa de tequila que o ajuda a manter o personagem que ele criou. Pra todos que perguntam, ele diz que já é passado, comenta que ela já disse sim no altar pra outro e que está seguindo sua vida, mas uma coisa não mudou: o vazio dentro dele desde o dia em que ela se foi.

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Alexandre Melo
é contador, apaixonado por música, um bom livro, séries e filmes. Há 37 anos busca entender os mistérios que a vida e seus caminhos imperfeitos trazem. Sonha conhecer todos os países do mundo assim como as profundezas de sua própria alma.

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(Pintura Edward Hopper)