COLUNA PITACOS
POR LETÍCIA SANTOS
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Olá, pessoas, hoje aqui na minha cidade está nublado e pra mim é um dia lindo. Amo o céu cinzento e o cheiro de chuva que permeia o ar, os dias cinzas me fazem lembrar de São Paulo, essa mega cidade que fica aqui perto da minha, mas que é tão diferente. Primeiro, minha cidade é colorida, sim, viadutos, prédios, escolas, tudo trabalhado no verde, amarelo, laranja, azul etc. Então, a primeira vez que cheguei em São Paulo todo aquele concreto cinza foi opressivo e fascinante. Por que estou falando tanto de São Paulo hoje? Porque quando falamos de amores urbanos, é impossível não falar dos amores de São Paulo. E hoje eu vou convencê-los a ler Estação Carandiru, do Drauzio Varella, o livro que deu origem ao filme de Hector Babenco.
Se você já viu o filme e agora está fazendo uma careta pra mim, pensando que não quer ler uma narrativa que já conhece, te digo que apesar do filme ser excelente (está aí, o filme está no nível do livro, pronto falei), o livro ainda nos guarda surpresas e descobertas que jamais conseguiriam ser passadas pelo filme – ler é mergulhar em sentimentos e histórias numa reflexão pessoal. Semana passada lhes ofereci algo fácil e divertido de ler, hoje a gente tem leitura de soco no estômago mesmo.
Alguns de vocês devem estar se perguntando como tive a ideia estapafúrdia de colocar Carandiru no contexto de amor urbano, e eu respondo, queridos, que amor em cidades enormes pode ser cínico, cruel e tocante ao mesmo tempo. Quando lemos Estação Carandiru não é só como entrar numa realidade totalmente diferente da nossa, é literalmente ser apresentado ao que já foi o maior complexo carcerário da América Latina, esse presídio não era um prédio dentro de São Paulo, era uma cidade, com suas próprias regras, sua geografia e uma incrível quantidade de habitantes.
Seguindo as palavras de Drauzio Varella, somos levados junto com ele pelos corredores da prisão, esse médico que entrou para pesquisar a AIDS entre os detentos tratou como humanos as pessoas cuja sociedade aqui fora considerava do mais baixo escalão. Através dos olhos e ouvidos desse médico, somos conduzidos pelas muitas histórias que aquelas paredes de pedra abrigavam, os amores em Estação Carandiru podiam ser tanto os que se passavam entre os altos muros da prisão, ou as histórias que serviam de motivo para a sentença de muitos prisioneiros.
A compaixão e o amor contrastam com a dureza e disciplina imposta na cadeia, ao mesmo tempo em que podemos rir loucamente de um homem apaixonado por duas mulheres, que continuam visitando-o, podemos nos horrorizar ao ver como os sentimentos de posse e de ciúme conduziram outros ao assassinato, ou mesmo à brutalidade da lei do crime, porque nesse livro, entendemos que existem duas leis distintas na sociedade, e a do crime é bem mais cruel.
O fato é que ler Estação Carandiru te ajuda a entender muito da afetividade nas relações humanas, você entende que para aqueles homens, os pavilhões da cadeia eram seus bairros, as celas suas casas, os habitantes seus vizinhos e companheiros. Lendo esse livro entendemos que o ser humano não foi feito para a solidão, somos até confrontados com o amor improvável entre um preso e uma “mulher de cadeia”, as travestis, que, às vezes, dentro da cadeia eram melhor tratadas do que fora.
Essa leitura é sobre amor, é sobre a cidade, é sobre entender que São Paulo ama todos os seus filhos, mas que esse amor pode ser brutal e criar situações em que a compaixão e a empatia humana não alcançam chegar ou não são capazes de fazer diferença.