COLUNA PITACOS
POR LETÍCIA SANTOS
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Preparem-se para aumentar a temperatura em Salvador, porque em Suor, vamos amar no Pelourinho.
Como está o tempo na cidade de vocês hoje? Está quente? Está uma temperatura tão alta que te deixa sentindo a roupa grudar na pele e com vontade de viver de frente a um ar condicionado de potência industrial? Pois, calor não é minha temperatura favorita, a menos que ele seja um dos componentes mais fortes de uma narrativa, que seja tão regular na vida das pessoas que não possa ser separado da cidade e do cotidiano apresentado na obra, enfim, gosto dele em Suor, livro de Jorge Amado.
Para aqueles que não têm a sorte de viver ou conhecer Salvador, na Bahia, lhes apresento a oportunidade de mergulhar nessa cidade pelas palavras de Jorge Amado, fascinação pessoal dessa que vos fala, e um dos maiores escritores que esse país tem a honra de chamar de seu. Vamos falar sobre Suor, uma narrativa que nos leva diretamente para a ladeira do Pelourinho, em um casarão decadente transformado em cortiço. Nessa obra você não vai achar um personagem principal, todos os moradores ganham voz, todos os tipos de pessoas pobres e buscando sobreviver aparecem na obra, que é um retrato da cidade de menos de um século atrás.
A leitura de Suor nos faz mergulhar em Salvador, ansiar por uma brisa fresca nos quartos apertados e sem ventilação do cortiço, ao mesmo tempo em que nos perguntamos como os personagens conseguem pensar nas curvas das vizinhas enquanto quase sufocam vivendo perto de um banheiro coletivo malcheiroso, ou cozinham num sótão sem ventilação, mas de preço mais acessível para viver. É uma realidade dura, mas não são duras todas as cidades que já discuti aqui com vocês? Não é o cortiço de Aluísio Azevedo parecido com esse?
Sim, e os romances urbanos têm isso em comum, a capacidade de nos levar à empatia e torcer pelos personagens porque nos reconhecemos neles, é mais fácil gostar daquilo que nos é costumeiro. E sejamos francos, é mais fácil achar um leitor que simpatize pelas agruras de contar os tostões para o aluguel do que um que seja filho de um fazendeiro rico e cuja maior preocupação é se vai para Paris ou para Roma.
As relações comuns, a divisão do sofrimento, as pequenas vitórias conquistadas pelos moradores desse cortiço no Pelourinho são tão significativas no cotidiano relatado no livro que nos remetem a realidade que vivemos atualmente. A luta por conquistar a vizinha, a busca de uma vida melhor, a dificuldade com que se sobrevive nessa cidade é a mesma que pode ser encontrada em qualquer subúrbio de uma grande metrópole brasileira, mas com um diferencial gigante no livro: estamos lendo sobre Salvador, e o nome do livro é um prelúdio e um aviso: naquelas páginas você encontrará um calor tão abrasante que poderá sentir o suor brotando em sua própria pele.
O sol e o calor noturno são praticamente personagens do livro, saímos dessa narrativa curta (para os padrões de alguns leitores vorazes como eu), com a nítida sensação de que o calor é uma entidade dos amores e relações que aconteceram no livro, que o culpado pelos envolvimentos lascivos e os arrebatos amorosos é o calor, que faz com que as roupas sejam demais e o juízo de menos. Leiam Suor e reflitam, a temperatura comanda uma cidade e a vida das pessoas ou o usamos de desculpa para liberar desejos aflorados pela sensação de quentura? E claro, fiquem morrendo de vontade de conhecer as ladeiras de Salvador, que um dia irei subir, juro juradinho.
*Caricatura: Jorge Dutra