COLUNA DUPLO COM GELO
POR ALEXANDRE MELO
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Aquele poderia ser mais um dia normal, como todos os outros, quando Gustavo acordou. Mas agora a consciência e a importância dada a cada momento que a vida traz o faz alterar seus hábitos diários. Faz questão do passeio matinal com Sabrino, para que seu inseparável amigo passe o dia melhor e mais satisfeito. Já há algum tempo, decidiu trocar a bicicleta ergométrica por pedaladas pela cidade. A bicicleta, ultimamente, está sendo mais utilizada do que o carro e ele não sente vontade de mudar isso. Naquela manhã, para para tomar um café desapressado na Bella Paulista – sua padaria preferida que há tempos não frequentava. Segue para o consultório, toma banho e, devidamente renovado, analisa a agenda que está bem mais enxuta agora – atendendo dois pacientes de manhã e dois de tarde, permitindo-se mais tempo para aproveitar o dia – e nota como isso influenciou positivamente seus atendimentos: sentia-se mais presente, atento, trazendo um ganho até em sua empatia, lhe dando um posicionamento mais humano e mais sincero.
Convida sua mãe para um almoço, o que a surpreende pois ela nem lembrava quando havia sido a última vez em que fizeram algo juntos. A busca em casa e a leva no restaurante Famiglia Mancini, onde comem o seu prato preferido: o conchiglione aos quatro queijos, em meio a um delicioso papo repleto de nostalgia e lembranças da família. Naquele almoço, percebe que não importa quais escolhas que fará ou os erros que cometerá, os braços e a casa de sua mãe estarão sempre abertos para seu retorno.
Passados os atendimentos vespertinos, volta para sua casa, onde é recebido por uma festa desajeitada de Sabrino e vai para a sala onde estava tentando aprender alguns instrumentos musicais. A falta de fôlego para os instrumentos de sopro o levou a focar-se nos de corda, mas percebeu que não importa quantas cordas eles tenham, sua falta de habilidade motora resulta em sons horríveis – que faziam Sabrino dar as costas como protesto a ter de ouvir aquela desastrosa melodia. A experiência com a bateria não foi muito diferente e até hoje ele agradece as acaloradas reclamações dos seus vizinhos, que o salvou de ficar cego após inúmeros choques acidentais das baquetas com seus olhos. A música continuaria a fazer parte de sua vida, mas é mais seguro manter-se apenas como expectador.
De volta à região da Consolação, indo para a rua Augusta, experimenta a casquinha com algodão doce que é marca registrada da sorveteria Dona Nuvem, pensa em quantas coisas ele deixou de fazer por causa do relacionamento que viveu, no qual já não havia reflexos de si mesmo, onde resumia-se a apenas uma sombra que orbitava ao redor dela. Mas ele já não lamenta o tempo perdido e busca fazer tudo o que deixou de fazer durante o período em que esteve com ela, além de buscar novas experiências, e aquilo o satisfazia demais, o fazia se sentir vivo.
Para no Urbe Café, pega o celular e liga para um amigo do tempo de escola, que há tempos não encontrava, e o convida para tomar algumas cervejas. Relembram muitas histórias da adolescência, como as paixões, confusões, as partidas de futebol nos terrenos baldios perto de casa, as pizzas comidas na calçada ao som de muito rock n’ roll e nem percebem aquele fim de tarde passar. No momento da despedida, combinam um novo encontro, só que desta vez com toda a turma, que há muito tempo não se reunia. Nunca é tarde para nos reaproximarmos das pessoas que fizeram parte da nossa história.
A noite chega e ele resolve passar pela Praça Roosevelt, onde admira todos os jovens que ali frequentam, os skatistas concentrados em suas complexas manobras, os grupos de amigos que inconscientemente sabem o quão valioso é estarem ali juntos, com uma garrafa de Coca-Cola e fazendo vaquinha para comprarem alguma porção nos bares da região, a melodia das gargalhadas em momentos que não serão esquecidos no futuro. Com satisfação, Gustavo levanta e volta caminhando lentamente, atento ao movimento – e à animação daquela região da Consolação – por muito tempo esquecido por ele, e toma a decisão de manter sua vida em movimento: amanhã ele se matriculará no curso que sempre desejou fazer.