AMÁLGAMA

COLUNA PITACOS 

POR LETÍCIA SANTOS

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Curto, direto e pungente. Isso resume Amálgama e essa semana vamos nos aventurar pelas relações humanas com Rubem Fonseca.

Um dia abafado e chuvoso no interior de São Paulo me deixa inquieta. Adoro a chuva, mas quando ela vem com uma onda de calor insuportável, isso me deixa chateada, mas como já falei de Suor semana passada, vou ter que recorrer a um dos livros que me deixam fascinada e incomodada ao mesmo tempo. Se Carandiru é um soco no estômago de uma realidade paralela dentro de uma cidade, Amálgama de Rubem Fonseca é uma surra baseada num cotidiano que podia ser o nosso, seja como a vítima do ocorrido, ou como um dos envolvidos no caso de amor, de frustração, de vida.

Se você quer uma leitura leve e fácil para uma tarde com chá, ou com uma jarra de caipirinha, esse não é o livro para você. Amálgama é um livro de contos e poesias, alguns mais curtos, outros mais longos, mas todos sobre pessoas na cidade grande, todos fortes e pungentes. O talento do autor e sua exímia capacidade narrativa é consagrada aqui, já que consegue nos passar uma série de contos e algumas poesias no ritmo alucinante da vida das pessoas, a profunda amargura que pode nascer nas mazelas da vida dura na cidade, até mostrando contrastes entre as camadas sociais. A relação entre homem e mulher passa por ternura, desespero, paixão e ciúme, algumas vezes somos obrigados a olhar o mundo por olhos de quem não gostaríamos, mas é um exercício de reflexão no fim das contas.

Se quer uma leitura que vai te arrastar por uma miríade de cenários sem te dar tempo para se recuperar de um para o outro (a menos que seja como eu e pause a leitura para comer um chocolate de consolo), você quer ler Amálgama. O título já te prepara para um recorte social, já que a palavra em si traz o significação de fusão, uma mescla perfeita de coisas ou pessoas, que formam uma mistura perfeita, totalmente encaixada. E o que mais temos em ambientes urbanos? Pessoas diferentes vivendo em sociedade, o que pode ser uma mistura explosiva, que ferve em sentimentos e expectativas. O amor aqui é mais cínico, mais físico, temos personagens que só se importam com sua satisfação, e as relações podem ser cheias de paixões, ou mostrar como às vezes ficamos com uma pessoa por conforto e rotina.

É muito desafiador comentar sobre esse livro sem encher vocês de spoilers, mas posso dizer que é uma leitura que vale totalmente a pena, porque em um conto de duas páginas você é confrontado com expectativas de vida que a sociedade nos impõe, como é difícil lutar contra as expectativas da pessoa com a qual nos relacionamos ao mesmo tempo em que nos enquadramos para viver numa rotina que pode não nos satisfazer, mas que é o que podemos ter no momento. Sejamos sinceros, às vezes o famoso “é o que tem pra hoje” é a única saída para não nos deixarmos levar pela situação, a luta contra o comodismo só existe porque temos uma necessidade inerente de pensar que coisas melhores acontecerão conosco, e algumas vezes nesse livro somos confrontados com a dura possibilidade de que talvez não, talvez estejamos condenados a viver num ciclo de frustração, raiva e medo, mesclados com paixão, ternura e raios de felicidade. A vida é uma mistura, a vida é uma amálgama.