COLUNA DUPLO COM GELO
POR ALEXANDRE MELO
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Gustavo se matriculou no curso de gastronomia e aguardava com expectativa seu início. A culinária chamava sua atenção desde pequeno, quando olhava com admiração as habilidades de sua mãe e ficava encantado com aquelas misturas de ingredientes tornando-se uma grande variedade de pratos e sobremesas saborosas. Se antes suas raras aventuras na cozinha eram para agradar alguém, neste momento de redescoberta de si mesmo, a decisão de fazer o curso o coloca em contato com o desejo de aprender e, antes de tudo, agradar a si mesmo.
Ao iniciar o curso, percebeu que estava no lugar certo: chefs renomados como professores, alunos compenetrados e dedicados – é notável a diferença de quem estuda algo para seguir uma paixão – e alguns estavam em situação parecida com a dele: profissionais estabelecidos de outras áreas buscando um escape, um hobby, uma satisfação pessoal.
Dentre seus colegas de curso, uma pessoa se destacava: Letícia, uma contadora que, assim como ele, buscava preencher o tempo livre para fazer algo que amava. De uma alegria contagiante – parece que nada a abala ou tira o sorriso do seu rosto-, levemente desajeitada tropeçando em tapetes, derrubando talheres, mas com uma destreza na cozinha que parecia que ela era uma das professoras do curso infiltrada entre os alunos, tamanha segurança e naturalidade em tudo o que fazia. Gustavo percebeu isso quando a turma teve que elaborar um prato com frutos do mar, em um exercício em duplas, e Letícia foi sua companheira nesta tarefa. Em tudo o que ele tinha mais dificuldade, ela lhe dava dicas e palavras de encorajamento que tornava simples a tarefa que era assustadora de início.
Aproveitando suas horas de folga de uma bela tarde de outono, Gustavo estava sentado em um dos bancos do parque Ibirapuera quando notou uma cena que capturou sua atenção: uma mãe com seu filho, que aparentava ter 1 ano de idade, sentara no banco a sua frente para alimentá-lo. O olhar dela refletia um amor incondicional em cada colherada da fruta que ela dava ao menino, que a retribuía com o sorriso mais lindo e puro que só bebês conseguem dar. Ao limpar seus olhos mareados, pensou em alguma forma de fazer a diferença na vida de muitas pessoas.
Então, teve a ideia de iniciar um projeto social de atendimento psicológico para comunidades carentes. O problema da saúde mental no mundo só aumenta a cada dia e o acesso aos serviços públicos, para a maior parte da população, ainda é muito precário. Tomando a iniciativa de imediato, entrou em contato com alguns de seus amigos da área, que toparam embarcar no seu projeto sem titubear. Neste momento, pensou que podemos não ter o poder de mudar o mundo, mas é possível oferecer o que de melhor temos e transformar a vida de quem está ao nosso redor.
Satisfeito por conseguir colocar em prática seu projeto, contando com o apoio dos seus amigos, Gustavo pensou que aquela noite merecia algo especial. Decidiu fazer um jantar para si mesmo, mas aquele dia merecia algo além. Pegou o telefone, ligou para Letícia e lhe fez um convite para jantar em seu apartamento, o que ela aceitou com alegria.
No horário combinado, ela chegou em seu condomínio e foi recepcionada com o aviso de que Sabrino não se dava muito bem com estranhos e que poderia recebe-la de uma maneira não muito amistosa. Para sua surpresa, assim que entraram no apartamento, Sabrino parecia ter esquecido o dono e correu ao encontro de Letícia daquele seu jeito único: desajeitado, puxando a barra de seu vestido florido longo, abanando seu rabinho e pedindo colo. Ela o pegou e o afagou tentando imitá-lo, fazendo caras e bocas que só os pugs e ela seriam capazes de fazer.
Com um sorriso no rosto, Gustavo leva Letícia até a cozinha e começa os preparos do prato da noite: penne alla puttanesca. Com uma reação natural, ela se oferece a auxiliá-lo no preparo. Era a primeira vez que estavam juntos fora do curso, mas a sintonia de ambos era surpreendente, parecendo ter uma intimidade conquistada com anos de convivência. Com o jantar pronto, busca um Chardonnay para acompanhar, servindo-o com generosidade para ambos.
Ao fim do jantar, ele a conduz para a sala de estar, coloca uma das suas playlists preferidas – uma seleção feita por ele mesmo com músicas leves, ótimas para serem deixadas como som ambiente – e se acomodam no sofá. Ela começa a contar como foram seus últimos dias no trabalho, com um sorriso estampado no rosto e gesticulando exageradamente, como se fosse uma verdadeira italiana, e nesse momento Gustavo sente uma onda de felicidade o preencher. Quando se dá conta, percebe-se balbuciando a sua música preferida, Harvest Moon e, de súbito, tem apenas um desejo: tomá-la em seus braços e dançar.