DIA DE FEIRA

COLUNA PRATO FEITO

POR NÊMESIS PARESCHI

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Era a primeira vez que eu via tanta beleza. Lembro muito bem daquele dia com detalhes tão perfeitos como se tivesse sido ontem. Minha mãe me acordou cedo, colocou meu vestido favorito (um azul marinho com flores brancas), um par de sandálias cor-de-rosa, prendeu meus cabelos longos para refrescar o calor daquele domingo ensolarado e lá fomos nós.

Ela segurava firme na minha mão e na outra, eu segurava firme a minha boneca. Fomos caminhando vagarosamente, curtindo a luz do sol que passava por entre as folhas das árvores e escutando o som suave da brisa soprando em meus ouvidos. Eu adorava caminhar com ela seja pra onde fosse. Minha mãe sempre trabalhara muito e os finais de semana eram especiais para nós duas.

Chegando ao destino, quantos cheiros diferentes! Estávamos na feira livre. Eu nunca tinha visto tantos tipos de frutas e folhas antes. Maçãs verdes e vermelhas, bananas de todos os tamanhos e um melão engraçado, meio avermelhado com sementinhas, muito mais doce que o normal. Isso é melancia, filha. E tentei ler: me-lan-ci-a. E descobri minha fruta favorita. Eu gostava de ver os vendedores fazendo rimas e versinhos, sempre simpáticos atendendo a freguesia e garantindo que melhor morango que aquele, não se encontraria em outro lugar.

Uma das minhas barracas favoritas era a de legumes. Não porque eu gostava deles, isso não. Aprendi a comer algum tipo de vegetal na adolescência, apesar dos esforços ilimitados da minha mãe para que a salada entrasse no meu cardápio. Eu gostava da barraca de legumes porque lá vendia cenoura, e minha tia transformava cenoura num delicioso bolo com cobertura de chocolate… Sou exigente com as cenouras dos meus bolos até hoje. Tem que ter talo sim, tem que ser daquelas bem graúdas e ter cheiro bem acentuado, senão não levo!

Na barraca das verduras, eu amava hortelã porque na casa da minha avó, onde ela tinha uma horta, eu e meus primos comíamos folhinhas de hortelã direto do pé. Mastigávamos e mastigávamos, era tão bom! E como a época em que nos encontrávamos era verão, não consigo passar uma tarde quente sem me lembrar de hortelã. Hoje, uso as folhinhas em sucos e no chocolate quente.

Após todas as compras feitas, hora do lanche. A barraca de pastel. Eu me perguntava porque que a barraca de pastel era do lado da barraca de garapa, e aí, quando mordi um pastel de carne frito na hora e tomei um gole da garapa com limão pela primeira vez, tudo fez sentido. Pastel e garapa foram feitos para viver juntos. Uma daquelas combinações perfeitas que hoje entendo como champagne e morango, vinhos tintos e alguns tipos de queijo, e é claro, arroz com feijão.

Fomos embora carregadas de sacolas, encontrando vizinhas e conversando sobre a beleza do dia e o preço exorbitante da batata. Mas essa é a feira mais barata, garantia minha mãe, a verdura daqui dura quase quinze dias na geladeira. Saindo da feira, íamos ver a minha avó e levar alguns produtos para ela. Ela amava mexericas, laranjas e mamão. Enquanto minha mãe organizava a fruteira lá estava ela abrindo uma laranja sentada na porta da cozinha.

Chegando em casa, era a vez das uvas. Lavadas e cuidadosamente dispostas em uma travessa para que pudéssemos comer sem trabalho. E minha hora mais esperada: a couve. Ela lavava as folhas e dividíamos a pia. Eu subia num banquinho com minhas panelinhas e faquinhas de plástico e juntas fatiávamos a couve para refogar no alho, o almoço de domingo sempre era especial.

E enquanto eu tirava a soneca da tarde, um som me acordava: batedeira! E os morangos viravam sorvete caseiro, que demorava uma eternidade de 6 horas para ficar pronto.

Assim, descobri de onde vinham todos os ingredientes que eu tanto adorava comer e que tanto significado tinham no meu dia. E o domingo ficou conhecido como dia de feira, só que hoje, quem leva minha mãe sou eu. Seguro firme na mão dela, carrego suas sacolas e trago para dentro de casa para que ela não carregue peso. Minha avó já não está mais conosco, tampouco minha tia e seu bolo de cenoura. Minha mãe já não faz mais sorvete caseiro de morango e minhas panelas de plástico não existem mais. Vamos de carro para ganhar tempo e não mais encontramos os vizinhos. Mas ir à feira é meu momento e dela, apesar da preguiça no domingo da semana que se estendeu demais ou do mau tempo. Lá estamos nós, dia de feira é dia de lembrar nossa vida juntas, e que isso dure muitos e muitos anos.