COLUNA PITACOS
POR LETÍCIA SANTOS
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A busca pelo reconhecimento é uma estrada esburacada e cheia de armadilhas. Hora de pegar sua comida e bebida de preferência: ascensão e queda em amores urbanos, o que mais podemos pedir?
Olha eu aqui, e com calor novamente. E sim, sou altamente influenciada pelo clima, aguentem minha veia maldosa até esse sol ir embora, ou eu comer um açaí gigante, o que vier primeiro. Ah, se vocês pensam que eu sou má indicando livros levemente voltados para o lado cruel das cidades, é porque não leram “Bebel que a cidade comeu”, do Ignácio de Loyola Brandão, ele e o Rubem Fonseca podiam fundar um clube sobre como nos deixar no chão depois de uma leitura, de uma maneira boa e que te deixa com ressaca literária (vou falar disso um dia), mas no chão e refletindo sobre a vida.
Bebel é uma moça que vai para a cidade grande tentar a fama e a fortuna, parece mais do mesmo, né? Não é, porque nesse amor urbano aqui, a gente tem a possibilidade maravilhosa de mergulhar numa cidade de muito tempo atrás, da era dourada da televisão, das atrizes mais glamourosas, mais desejadas e julgadas pela sociedade. Bebel foi a mais destacada delas nesse livro, ela quis isso, ela conseguiu e pagou o preço. Se tem uma coisa que eu adoro sobre romances urbanos é a capacidade que eles possuem de nos levar por um tempo e por uma cidade que podemos conhecer agora, mas que naquela época era outra coisa.
Nesse livro, Ignácio de Loyola Brandão consegue misturar ficção e realidade para delinear com habilidade o cenário em que Bebel, sua personagem principal, é inserida. As notícias, os acontecimentos que rodeavam o cotidiano eletrizante dessa mulher são pano de fundo para mostrar o que acontece com uma pessoa comum numa cidade grande em meio a uma transformação tão séria quanto o advento da cultura de massa da televisão, dos ídolos, dos programas que faziam os brasileiros se encantarem e se esquecerem um pouco da dura realidade política. Bebel está no meio de tudo isso, ela é a mulher que saiu do interior em busca de seu lugar ao sol, e o título do livro é basicamente um aviso, ela será comida pela cidade, e não do jeito antropofágico e proveitoso dos modernistas brasileiros, ela será posta à prova pela cidade, e poderá sobreviver a dura realidade da metrópole?
Já falamos sobre isso, as grandes cidades têm regras e leis próprias, elas podem te dar muitas possibilidades de sucesso, mas também podem te cegar, não só com as luzes brilhantes das avenidas e dos teatros e cinemas, mas também com a falta de foco e humanidade. Quando se está acostumado a ser a pessoa para que todos olham, a invejada, a bem sucedida, pode-se lidar com a queda ao ostracismo? O esquecimento e o ato de perder-se na multidão é só mais um dos sintomas de viver na cidade grande, podemos ser alguém ou ser só mais um rosto perdido. Todos esses dilemas estão ali na vida de Bebel, cujos dramas, realizações e relações nós acompanhamos com a avidez de quem assiste uma boa novela, torcendo contra ou a favor, somos nós, leitores, mergulhando na vida dessa personagem e nos agoniando com certas atitudes, sabendo que alguns personagens não podem sair-se bem com certas inclinações na época retratada.
Ah, a doce agonia de ler um livro com vontade de jogar na parede! E claro, sabendo que São Paulo mais uma vez será palco de uma saga de ascensão e queda, e que melhor cenário para ver o auge e a desgraça de alguém do que uma das maiores metrópoles do mundo? Essa cidade que abriga tantas histórias de vitória e derrota. O concreto de São Paulo é cinza de sonhos perdidos, e os arranha-céus tão altos quanto os sonhos dos moradores. Leiam Bebel que a cidade comeu, é um pedaço inestimável do amor do autor por São Paulo e dos amores trágicos e lindos que podem suceder ali.