DOÇURA – NÊMESIS PARESCHI

O trânsito é sempre intenso naquela via, mas confesso que não me importo de perder alguns minutos por dia ali. Entre as faixas que vão e vêm, muitas árvores altas e belas oferecem acalento em meio ao asfalto e a dura realidade da luta diária. É bom olhar para elas após, obviamente, ter olhado todos os retrovisores e fechado os vidros… Quanta tensão! Mas ali estão elas fortes, firmes e mostrando que a vida vai além de tantas coisas que muitas vezes superestimo.

Em meio a meus devaneios, uma voz jovem. “Olha a cocada!” E os carros abrem levemente suas janelas e acionam as buzinas para chamar a atenção do garoto. Lá vem ele carregando um tabuleiro com cocadas de todos os tipos e os motoristas ansiosos para comprar. Alguns conseguem, outros são driblados pelo tempo do semáforo.

No primeiro dia que vi a cena, fiquei muito curiosa. O menino já tinha clientes fixos. Quando se começa uma rotina, mesmo horário, mesmo local, você passa a fazer amigos desconhecidos. Você não sabe exatamente quem são, eles sabem tão pouco sobre você, mas sempre se encontram ali nos mesmos carros, com as mesmas placas, no mesmo caminho pela vida, curiosamente unidos por algum destino ou sinergia e você se sente estranhamente seguro com aquelas pessoas.

Acabei ficando com vontade das cocadas ao ver meus colegas de trânsito comprá-las diariamente e até mesmo a expressão de fustração quando não dava tempo do menino chegar até seus veículos. E sim, presenciei carros acendendo seus pisca-alertas para uma paradinha rápida pelo doce. Essa cocada deve ser muito boa!

Um dia, finalmente consegui a atenção do vendedor e lhe pedi uma. Neste dia, uma sexta-feira, havia uma mocinha com outro tabuleiro atendendo também. Perguntei-lhe quem as fazia. Minha mãe, senhora, minha mãe faz e nós a ajudamos vendendo quando não estamos na escola. Tem que estudar também, não é? Fiquei encantada com a determinação do garoto, o que me fez levar mais um doce.

Semáforo verde e vamos ao trabalho. Guardei as cocadas na bolsa para a hora do lanche e confesso que esperei ansiosamente o momento de degustá-las. O momento chegou e sentei-me em frente a mesa para poder apreciar cada mordida sem que nenhum farelo fosse desperdiçado. Olhos atentos para admirar o coco delicadamente ralado como se tivesse tido cada pedacinho colado um a um. Um aroma doce me levou à infância, quando minha tia avó fazia doces caseiros de tudo quanto era fruta, doces de compota cozidos na panela por horas. E, o que era mais esperado, a primeira mordida. O sabor era definitivamente incrível, equilibrado, sem açúcar demais ou de menos, o astro era o coco sem dúvidas, mas análises técnicas à parte, senti claramente o gosto dos ingredientes mais difíceis de serem colocados na comida: amor, felicidade e dedicação. Parecia que eu estava na cozinha, ao lado daquela senhora, vendo-a cozinhar e cantar, talvez com um avental de flores com bolsinhos ou não. Mexendo a massa da cocada usando uma colher de pau e com um sorriso sereno no rosto, dispondo-a delicadamente sobre a pedra fria para que esfriasse e pudesse embalar uma a uma, com todo o carinho que um joalheiro embalaria o mais precioso diamante. E ali eu quis ficar um tempo, tentando captar tudo que meus sentidos fossem capaz, me apegando a cada detalhe daquela cena.

Comi apenas uma das cocadas que comprei e guardei a outra para o outro dia, eu queria aquela viagem de novo, aquele carinho, a doçura, sentir-me como criança novamente. E aí entendi as filas e as desilusões dos meus colegas quando não conseguiam comprar o doce. Não era somente uma cocada de boa qualidade, era o colo que todos nós adultos precisamos às vezes e não sabemos mais como pedir.