| Pitacos
Por Leticia Santos
Minha última recomendação do tema amores urbanos é uma das mais gratas surpresas que já tive na vida. Quando minha professora de Análise e Crítica Literária nos pediu para ler A Confissão de Lúcio, de Mário de Sá Carneiro, dei um suspiro interno de tédio, cheia de expectativas ruins sobre o livro. Como diria minha mãe, cuspi para cima e caiu na testa, porque esse é um dos livros mais fascinantes que já tive o prazer de ler.
Primeiro de tudo, Lisboa e Paris são os destaques dessa narrativa tão rica. As duas cidades transmitem sentimentos totalmente opostos no leitor e é um recurso que o autor usa para estabelecer o ritmo diferente das duas capitais e do comportamento dos personagens em diferentes cenários. Lúcio, nosso narrador, está contando sua história com seu amigo Ricardo e a esposa dele, Marta. Esse trio e suas diversas formas de envolvimento são o centro da narrativa, que usa de pano de fundo toda a organização social da época do Modernismo para ilustrar a relação entre esses três.
E sim, temos nesse livro um dos melhores mistérios da literatura mundial, já que a narrativa de Mário de Sá Carneiro é permeada de adjetivos vagos, de substantivos que remetem a inconsistência quando se trata de descrever ou definir seus personagens humanos, ficou aberta a discussão sobre a existência ou não de Marta, seria ela um delírio de Lúcio? Uma extensão de Ricardo ou o próprio poeta em versão feminina? Todos esses questionamentos ficam no ar, sendo impossível textualmente ter confirmação de uma coisa ou outra, já que essa obra nunca alcança a definição nesse quesito. E esse é um contrapeso interessante, já que se observamos a descrição que ele faz das cidades constatamos que é muito bem definida e consegue nos fazer sentir todo o clima que dominava essas metrópoles na época registrada.
Paris era para Lúcio e o Poeta um recanto de energia, a cidade luz realmente trazia o lado mais brilhante e criativo dos personagens à baila, isso sem falar nas imagens coloridas e luxuriosas que foram descritas ali. Paris era onde estava a agitação, o clamor por inovação e pela entrega aos prazeres que deleitam a alma e alimentam os artistas, sendo que o núcleo de amigos que compõe a vida de Lúcio segue o mesmo padrão de serem ricos intelectuais a procura de uma cura para o tédio.
Em Lisboa, a cinzenta e saudosa Lisboa, temos o cenário perfeito para os momentos de culpa, de reflexão sombria e reações mais calculadas por parte dos personagens, a cidade e a neblina são um só, e todo o mistério que envolve Marta, esposa do poeta Ricardo e objeto de fascinação de Lúcio, combina perfeitamente com o tom descritivo que o autor dá para Lisboa.
O romance entre os dois cresce e nos empolga entre essas duas cidades, enquanto Lúcio escrevia sua peça e Ricardo seus poemas, Marta encantava os dois, já que Ricardo aparentemente gosta de ver como ela capturava a atenção de Lúcio e se diverte com a interação dos dois. O desfecho do livro é incrível e é de aplaudir de pé a capacidade de Mário de Sá Carneiro de entrar para a história como um dos autores capazes de perpetuar sua obra como uma das que lemos e não esquecemos porque o que eu acho que aconteceu não é o mesmo que os demais leitores.
A Confissão de Lúcio é uma leitura única e que divide opiniões, leiam, meus caros, e me digam: Marta existe?