Olá. Apesar de estarmos nos conhecendo agora, podem me chamar pelo meu apelido. Sou a Bá. Trabalho com uma confeiteira e minha função é pesar alimentos. Como ela tem o próprio negócio em casa, muitas vezes auxilio também com suas dietas, então, passo o dia todo pesando gramas de diversos ingredientes, desde farinhas de aveia e chia até brigadeiros e ganaches. É bem cansativo.
Eu e minha colega de trabalho, Lala, estávamos pensando seriamente em entrar em greve. Apesar de ela não atuar diretamente na confeitaria comigo e minha chefe, ela exerce uma tarefa importante e decisiva em nosso cotidiano: é ela quem define se teremos uma semana agradável ou difícil, deixando minha chefe feliz ou irada, e por isso, Lala está sempre ansiosa.
Enquanto me esforço sempre para dar os mais exatos gramas de cada alimento para que nossa chefe cumpra suas metas dietéticas e receitas, é a Lala quem de fato toma as decisões. Ali, em frente à cozinha, na área de serviço, escuto-a lamentar todas as quintas-feiras, temendo pelo pior, ser desligada de nossa empresa. E ontem, isso quase aconteceu.
O final de semana anterior havia sido Páscoa, o que implicara num feriado de três dias, que para mim, significariam um certo descanso – pois os alimentos da dieta não seriam pesados e eu só trabalharia com as encomendas -, porém, para Lala eram os dias de tortura. Do ângulo que ela estava, ela via nossa chefe abrir e fechar a geladeira diversas vezes pegando todo e qualquer tipo de alimento que não fossem frutas e legumes. E lá iam doces industrializados, iogurtes com açúcar, latinhas de refrigerante… Quando não ia até a dispensa e voltava com pacotes de salgadinhos e bolachas recheadas. “É fim de semana de Páscoa, hoje pode!” – justificava a patroa. E eu, vendo aquilo tudo mais de perto ainda, não me conformava com a situação, afinal, quem sofreria na quinta-feira seria minha colega, que com toda a certeza, não merecia as palavras chulas e o desdém a ela direcionados.
Sentindo todo meu trabalho semanal desperdiçado e vendo a agonia de Lala, resolvi tomar uma atitude. Uma hora, mais cedo ou mais tarde, ela teria que pesar alguma coisa, a culpa chegaria depois de toda aquela comilança excessiva. Esperei pacientemente pela noite do domingo, porque ela sempre resolve retomar as dietas pelo jantar, e lá veio ela com uma porção de arroz integral. Fiz questão de marcar gramas a menos e ela foi enchendo o prato até que eu marcasse a quantidade esperada, ela só não sabia que eu havia contabilizado quase o dobro do que ela deveria comer. Vi que deu certo e segui a mesma estratégia no dia seguinte no café da manhã. Frutas, iogurte light, cereais integrais, tudo devidamente pesado para mais. Afinal, se ela não quisesse engordar, não teria feito o que fez no feriado.
Isto se estendeu quando, inesperadamente, numa quarta-feira ela resolveu se pesar. Baixinho, cochichei para Lala: “Lala, marca exatamente o que tiver que ser marcado. Ela precisa entender que não adianta comer bem e ser saudável apenas quando ela quer e depois colocar a culpa em você.” Lala sempre foi medrosa e eu via seus ponteiros tremerem até finalmente pararem no peso correto. E eu continuava: marca certinho aí! Eu já fiz o trabalho sujo aqui porque sei que você não teria coragem!
E Lala marcou os 3 quilos a mais ganhos por nossa chefe em seus exageros de Páscoa e, é claro, com certa ajudinha minha.
Confesso que tive muita pena quando vi minha chefe desabar em lágrimas. Sua luta com a balança não era recente, já havia feito todos os tipos de dietas do mundo. Mas, por mais que minha vingança tenha sido dolorosa, fiz por amor. Ela precisava entender de alguma maneira que não poderia brincar com sua saúde assim, comendo o que estivesse pela frente. E, de repente, escuto-a dizer a sua mãe: “foram todas aquelas comidas do final de semana, mãe, tenho certeza. Pesei tudo direitinho esses dias. Preciso parar de descontar na comida as coisas ruins que vivo ao longo da semana. Contenho-me de todas as formas de segunda à sexta-feira, mas quando o sábado chega estou com tantas vontades, aflições e desejos que parece que nada me sacia.”.
Então, a sábia mãe, como todas são, lhe diz: “filha, o segredo da vida é o equilíbrio. Você usa tantas balanças todos os dias e não aprendeu a equilibrar a própria rotina! Coloque de um lado da balança tudo o é saudável para seu corpo e mente, e do outro, tudo que não te faz bem, você vai perceber que terá que colocar muito mais coisas boas para compensar o peso de uma ruim. E é assim com os alimentos que não são saudáveis para seu corpo, com as emoções e com as experiências difíceis que passamos. Então, tente não agregar coisas ruins a você mesma, sejam elas alimentos ou sentimentos. Deixe que passem por você desapercebidos e permita que mais coisas boas estejam em sua mente e sua corpo. Você vai entender o bem que isto te fará.
Com o tempo, nossa chefe foi entendendo a dinâmica de ser mais leve na vida. Era mais calma e tranquila consigo mesma e, consequentemente, comia menos e selecionava mais aquilo que ingeriria. Lala se tornou uma grande amiga e aliada e eu já não trabalhava mais tanto, porque ela começara a aprender o que e quanto precisava comer sem me consultar a cada castanha ou morango do café da tarde.
Doeu-me muito ter que fazê-la sofrer naquele dia, mas eu precisava mostrar-lhe que ela estava não apenas maltratando Lala ou me fazendo trabalhar além do que eu aguentava, mas estava causando mal a si mesma…
Obrigada por lerem minha carta, queria compartilhar com vocês um pouco do que nós, balanças, vemos todos os dias. Estamos aqui para ajudar, somos suas parceiras e tudo o que queremos é trazer equilíbrio para suas vidas.
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Nêmesis Pareschi (e-mail) é professora de inglês, confeiteira, graduada em Administração Hoteleira pela Universidade Anhembi Morumbi e em Gastronomia pela Universidade Metodista de São Paulo. Ama toda forma de arte, sonha em viajar por aí experimentando todas as comidas possíveis e aprendendo todas as danças que encontrar. Uma eterna aluna do mundo.