Sabe aquela crença de que não podemos nunca dizer nunca para nada? Pois é. Recentemente vivi de perto algumas experiências bem reveladoras de que, certamente, “nunca” é definitivo demais.
Estava eu empolgadíssima com uma encomenda bem grande toda feita em chocolate de todos os tipos. Prevendo um possível desastre, muitas horas de trabalho em vão e uma cozinha bem desorganizada, achei melhor me prevenir e participar de alguns cursos sobre chocolate antes de começar a produção. Por mais que eu tivesse aprendido a trabalhar com ele nas aulas da faculdade, já havia tentado lidar com tal ingrediente várias vezes sem sucesso. O chocolate é delicado, cada grau de temperatura conta, incluindo a do ambiente, e precisa ser tratado com toda atenção do mundo. O chocolate precisa de mimo e carinho para dar certo.
Em um dos cursos, descobri minha salvação: a manteiga de cacau desidratada. Após derreter o chocolate, ao invés de executar todo o processo de colocá-lo sobre a pedra e mexer até que esfriasse, para então, modelar, bastava adicionar uma proporção da manteiga de cacau desidratada ao chocolate derretido e voilá! Era só enformar.
Saí da aula com uma luz de esperança em meu coração. Problemas resolvidos. Sem dores nos braços, sem sujeira, sem noites sem dormir. Comecei a ligar em todas as lojas especializadas da região e, após muita pesquisa, encontrei o produto. Não era muito barato, considerando que era importado, mas valia cada centavo e, no fim das contas, compensaria nos custos pelas horas de trabalho. Fiz um pequeno estoque e voltei super feliz para casa. E aí, o universo pregou uma de suas peças quando profetizei: “eu nunca mais vou temperar chocolate em uma pedra.”. (Nota: temperar chocolate é o processo de equilíbrio de temperaturas, quando ele está ainda mais quente do derretimento para a temperatura ideal de modelagem. Há várias maneiras de fazer a temperagem, e o mais comum é o tal do método da pedra).
Cheguei com as compras e comecei a trabalhar já imaginando um mundo de possibilidades de chocolate. Fui cumprindo a encomenda até que olho em meu celular e a encomenda havia dobrado. Maravilha! Vamos adiantando (eu tinha tempo hábil) e qualquer coisa volto na loja e compro mais manteiga de cacau, afinal eu tinha comprado a quantidade exata para o primeiro pedido. Sem problemas, tudo se resolve! Continuei a trabalhar e adiantei muitas peças de chocolate e, então, como esperado, a tal manteiga de cacau acaba.
Pela manhã seguinte, liguei para a loja onde tinha comprado o produto e ouvi a frase mais temida e mais assustadora dos últimos anos: “a manteiga de cacau acabou e como é importada, não temos previsão de entrega.” Naquele momento, eu posso jurar que ouvi uma risada do universo, gargalhando da minha frase anterior sobre “nunca mais” e em seguida, me vi horas a fio sobre o balcão de pedra da minha casa esfriando chocolate para todo o sempre.
Bom, não havia o que fazer. O segredo era manter a calma e começar a trabalhar. Separei meu termômetro, higienizei a pedra, li todos os rótulos com as instruções dos fabricantes de chocolate e eu precisava, enfim, encarar um dos meus maiores vilões da cozinha: a temperagem do chocolate.
Vamos testar primeiro. Comecei pelo chocolate meio amargo, meu preferido, para tentar me auto-motivar. Hmmm… cheirinho bom! E lá vai ele para a pedra. Mexe para cá, para lá, temperatura alta ainda, mexe mais e mais. Temperatura perfeita. Nenhum grau a mais ou a menos. Vai pra forma, descansa um pouquinho e geladeira. Dali uns 20 minutos, desenformei. Ele estava lindo! Deu certo! Eu nem acreditava! Tirei fotos, pulei e comemorei. Eu sabia finalmente trabalhar com o chocolate. E então, segui a produção aliviada e com bons resultados.
Obviamente trabalhei mais horas do que era esperado, mas o retorno de ter conseguido fazer aquilo foi extremamente recompensador. Entreguei a encomenda e cumpri com minhas metas. Hoje em dia, não digo mais “nunca”, e passei a acreditar que sim, as coisas acontecem por um motivo. Se eu tivesse encontrado o produto, não teria me forçado a aprender algo novo e mesmo descobrir que eu era capaz. Enfrentei meu vilão e nos tornamos grandes amigos. Passamos a nos entender muito bem e com certeza, passei a amar ainda mais chocolates.