A vingança na verdade é um prato que se come quente, com o sangue fresco e as lágrimas dos inimigos.
Se tem uma coisa no mundo que prende a atenção de uma pessoa é uma trama em que um dos personagens está numa cruzada por justiça pessoal, e quando digo pessoal, estou falando de vingança mesmo, já que em tramas de livros, assim como na vida real, há uma chance grande do culpado da sua dor sair livre, leve e solto da história.
A partir desse ponto, temos dois tipos de personagens, os que aceitam essa agrura da vida e evoluem com a experiência, esses seres iluminados e cheios de luz, que eu odeio. Convenhamos, estão fazendo errado, não é assim que brinca gente. Leitores gostam de ver o circo pegar fogo. Esse troço de elevação espiritual e dar a outra face é bem enfadonha, na minha opinião, vingança é um crime de paixão e troco qualquer herói perfeito e moralista por um patife rancoroso com uma faca e um bom plano – Locke Lamora, vindo da cabeça de Scott Lynch, que o diga! Ele pode derrubar uma cidade só com um par de mentiras e esforço o suficiente.
Todos conseguimos nos relacionar com personagens aviltados que sonham com vingança porque eles são reais. Ler alguém que recebe os insultos, sorri e evolui com isso me faz sentir frustração, a vontade de sacudir esse tipo de personagem para ver se arranco uma reação de gente de verdade é grande. Rancor é algo que deve ser plantado em terra bem adubada, regado e cuidado para crescer forte e vistoso, se isso é só na ficção ou se na vida real também, depende de você, sou de escorpião, meu amigo dos mapas astrais garante que sou assim. Calúnias, claro.
Mas, sejamos rancorosos ou não no nosso cotidiano, o fato é que amamos uma boa trama com vingança, ver ou ler alguém dando o troco naquele personagem que merece todo o nosso ódio, porque convenhamos, há vilões que amamos, mas sempre temos aquele vilão que a gente odeia visceralmente, que nos faz aproveitar cada momento de sua derrocada.
Vendetta é uma palavra que vem do italiano, ela é mais forte que pura e simples vingança. Vendetta é praticamente uma promessa, uma missão de libertação do espírito através do sangue e do sofrimento dos inimigos, como meu novo amor Kaz, escrito pela deusa Leigh Bardugo, cuja vida é pautada por um único objetivo: a destruição dos inimigos! Ele dorme, come e se move pensando na queda de seu alvo e é algo lindo de ler, porque ser um ser humano que ultrapassaria todos os limites por vingança não tira seu encanto e nem invalida suas relações e amizades.
Nessa edição falarei de livros cujas páginas estão recheadas de personagens que fizeram da vingança seu propósito de vida e, consequentemente, não são protagonistas comuns de romances e narrativas clássicas. A partir de agora entramos na zona cinza, não vou falar de heróis, vou falar de pessoas com potencial para a crueldade e para o amor igualmente, mesmo porque, a vingança só vem para aqueles que foram feridos em algo que amavam profundamente.
Se há um ponto em comum que a maioria dos livros com temática de vingança tem em comum é a construção bem-feita dos personagens principais, que por via de regra passam longe dos enfadonhos rapazes que gostam de fazer tudo correto e sempre escolhem o caminho da retidão indiferentes a todas as agruras porque passam (Oi, Rand da Roda do Tempo, estou falando com você). Protagonistas que buscam vingança são mais reais e mais próximos dos sentimentos dos leitores, eles tendem a sentir tristeza profunda e raiva, passando por momentos de felicidade, mas sem esquecer o objetivo e a ofensa que sofreram. Eles oscilam em sentimentos como qualquer ser humano normal, e empatizamos muito mais com eles do que com personagens cuja moral ilibada e altos padrões de comportamento os fazem basicamente odiosos para mim porque não transmitem que são pessoas possíveis, tanta perfeição irrita.
Personagens falhos e apaixonantes vão surgir por aqui nas próximas semanas, e preparem-se para entrar comigo no mundo da literatura fantástica, onde a vingança é ponto central de várias tramas incríveis. Magia e monstros tornam a vingança mais temperada e mais distanciada, já que quando ela ocorre num mundo como o nosso, nos sentimos visceralmente envolvidos, principalmente quando os crimes de que os protagonistas foram vítimas poderiam acontecer com a gente. Que mulher nunca imaginou o que faria se fosse estuprada? O que faríamos se alguém próximo a nós fosse morto ou machucado e o perpetrador saísse incólume? Alex Craft da Mindy McGinnis nos faz pensar e refletir sobre isso, vendo como qualquer pessoa pode se tornar um vingador se receber pancadas o suficiente da vida.
Enfim, meus caros, vamos navegar pelas águas tortuosas das vinganças, rindo e chorando com os personagens que podem até tentar nos enganar com sorrisos e meias verdades, mas que não podem esconder sua verdadeira natureza. Os vingadores caçam predadores sociais, mas não saem limpos disso, vingança é doce sim, mas ela tem um preço e geralmente ele é alto. Prontos para começar com isso?
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Leticia Silva Santos (@laetitiasjc) é professora não praticante, formada em Letras pelo amor à literatura e possui uma coleção de livros que nunca será grande o suficiente.