Segundo o ditado popular, “a vingança é um prato que se come frio”. A frase, conhecida por todos que guardam algum “ressentimento de estimação” (quem não?), remete à ideia de que a boa vingança deve ser planejada, calculada, premeditada, tudo com muita calma e paciência. Difícil, não? Ainda bem que o cinema, como arte praticamente perfeita que é, vem fazendo da vingança uma espécie de fast-food: no escuro do cinema, numa média de 120 minutos, somos, junto com nossos personagens favoritos, injustiçados e, posteriormente, vingados. O que fica, ao término das sessões, é a sensação de alma lavada!
Mas por que a vingança faz tanto sucesso na telona?
O sentimento de retaliação está presente na história da humanidade desde o início dos tempos. Na verdade, a resposta à questão acima encontra-se na realidade: a vingança, no lado de cá da tela, é um sentimento capaz de proporcionar sensações conflituosas, sendo, num primeiro momento, prazerosa e, depois, incômoda.
Psicólogos afirmam que a vingança gera uma sensação de recompensa àquele que a pratica, já que o receptor do ato vingativo pode sofrer tanto quanto ou até mais do que a vítima primeira. Há quem entenda a vingança como um mecanismo de defesa, uma maneira de evitar futuras injustiças a partir da reputação criada pelo vingador. Enfim, não faltam motivos que expliquem a atração proveniente do sentimento de vingança.
Se, na vida real, a vendeta é capaz de, a longo prazo, gerar consequências ruins (sentimentos de culpa, arrependimento, amargura e assim por diante), na ficção esse risco é consideravelmente reduzido, uma vez que, nas narrativas que trazem a vingança como tema, a retaliação está sempre associada ao “final feliz”. Por isso, vamos relembrar cinco dos casos mais emblemáticos de vingança do cinema. Vale a ressalva de que toda lista é pessoal, visto o cinema, como toda manifestação artística, ser subjetivo. Por isso, caso algum filme não tenha sido citado, mencione-o no comentário e diga por que ele merece estar entre as grandes vinganças do cinema?
OLDBOY (2003), de Chan-Wook Park
Este é o primeiro filme que vem à minha mente quando o assunto é vingança no cinema. Não por acaso, a produção sul-coreana Oldboy é o segundo volume de uma trilogia conhecida como “Trilogia da Vingança”, idealizada pelo talentoso cineasta Chan-Wook Park e que traz os filmes Mr. Vingança (2002) e Lady Vingança (2005) como os exemplares que completam a trinca. No entanto, Oldboy é o filme que se destaca entre os três, tanto pelo apuro técnico quanto pela ousada linha narrativa.
Na trama, Dae-su Oh (vivido por Min-sik Choi) é um homem comum que, numa noite de bebedeira, é sequestrado e mantido em cativeiro por 15 anos, sem qualquer contato com o mundo exterior. Quando é misteriosamente libertado, o homem dá início a uma busca frenética por vingança, sem saber que ele mesmo foi vítima de um ato vingativo.
Com final surpreendente e sequências emblemáticas (a famosa “cena do corredor” tornou-se legítima referência pop, sendo homenageada em outras obras), Oldboy foi responsável por chamar a atenção do mundo para o cinema produzido na Coreia do Sul, mais especificamente para a inventividade de Chan-Wook que, a cada filme, confirma seu potencial como contador de histórias.
O CONDE DE MONTE CRISTO (2002), de Kevin Reynolds
Uma das mais conhecidas narrativas sobre vingança, O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, não poderia ficar de fora. O romance do escritor francês foi adaptado inúmeras vezes para a telona, mas a versão que destacamos é a despretensiosa e bem-sucedida refilmagem de 2002, que traz Jim Caviezel e Guy Pearce nos papéis principais.
A história gira em torno de Edmond Dantes (Caviezel), um humilde marinheiro que, alvo da inveja de seu amigo Fernand (Pearce), é preso sob falsa acusação de traição. Passados 13 anos, Dantes foge da prisão e, fazendo uso de um tesouro escondido, retorna sob a identidade do enigmático Conde de Monte Cristo, colocando em prática um ambicioso plano de vingança contra aqueles que o traíram.
Com uma direção segura, belo trabalho de fotografia (as paisagens são de tirar o fôlego) e competente entrega do elenco, O Conde de Monte Cristo entrega o que há de melhor no gênero “capa e espada” e honra o talento de Dumas na criação de aventuras envolventes durante o Romantismo Francês. Vale uma conferida.
KILL BILL – VOL. 1 E 2 (2003/2004), de Quentin Tarantino
Pensado para ser apenas um filme, Kill Bill é a mais audaciosa obra de Quentin Tarantino. Cinéfilo irrepreensível, Tarantino busca inspiração nos filmes de artes marciais japoneses da década de 70 para criar uma epopeia vingativa banhada a sangue… muito sangue!
Na trama, uma misteriosa mulher, conhecida apenas pela alcunha “A Noiva” (Uma Thurman), acorda de um coma quatro anos após ter sofrido um atentado em plena cerimônia de seu casamento. Como se não bastasse, a mulher sente falta do bebê que carregava em seu ventre, o que inflama ainda mais o sentimento de vingança contra aqueles que a tentaram matar: um grupo de assassinos do qual A Noiva também já fez parte. A partir daí, a mulher faz uso das suas habilidades visitando cada um de seus algozes e deixando, por onde passa, um rastro de morte.
Kill Bill foi um baita sucesso de bilheteria e tornou-se, como praticamente toda a filmografia de Quentin Tarantino, uma das referências da cultura pop, passando pelo figurino das personagens, trilha sonora e linguagem visual. Um clássico contemporâneo.
GLADIADOR (1999), de Ridley Scott
“O general que virou escravo. O escravo que virou gladiador. O gladiador que desafiou um império.”. Esta foi a chamada utilizada para divulgar Gladiador, uma das obras-primas do então grande cineasta (e hoje irregular) Ridley Scott. Claramente inspirado em Spartacus, personagem histórico que liderou uma revolta de escravos na Roma Antiga e ganhou inúmeras histórias na literatura e no cinema, Maximus, protagonista do longa, encantou os cinéfilos no início da década passada e deu a Russell Crowe o Oscar de Melhor Ator.
Na trama, Maximus (Crowe) é mais uma vítima da inveja alheia. Condecorado general e dono de uma honra inabalável, Maximus é escolhido pelo moribundo imperador Marcus Aurelius (Richard Harris) como seu sucessor no trono de Roma. No entanto, o temperamental e inescrupuloso filho de Aurelius, Commodus (Joaquin Phoenix), atravessa os planos do pai e assume o comando do Império, mandando prender Maximus e matando a família do seu rival. É aí que tem início a trajetória vingativa de Maximus que, ao se tornar um talentosíssimo gladiador, usa da popularidade para vingar-se de Commodus.
Belamente filmado, dono de uma trilha sonora que arrepia só de lembrar e atuações viscerais de todo o elenco, Gladiador é um épico que vale a pena ser visto e revisto inúmeras vezes e prova o quanto a vingança é capaz de deixar o cinéfilo com a alma lavada após a sessão, quando bem trabalhada narrativamente. Além do Oscar de Melhor Ator, a produção também levou as estatuetas de Efeitos Visuais, Som, Figurino e o Filme, na edição de 2001 dos Academy Awards.
CARRIE – A ESTRANHA (1976), de Brian De Palma
Adaptação da obra de Stephen King, Carrie – A Estranha apresenta questões ainda hoje pertinentes quando se trata de adolescência, como a necessidade por integração, abusos familiares e bullying. Logo, o filme permanece relevante, mesmo após 42 anos da sua realização.
A história acompanha a personagem-título, uma adolescente tímida que tem dificuldades em se relacionar com jovens da sua idade, muito por consequência da criação rigorosa da mãe, uma fanática religiosa. Como se não bastasse, Carrie passa a desenvolver poderes de telecinesia, algo visto como demoníaco pela mãe da garota e motivo de ainda mais vergonha para a menina. No entanto, Carrie é acolhida por um dos colegas, que vê além da timidez e esquisitice da garota. Isso gera repulsa e inveja das demais meninas da escola, que planejam uma retaliação no dia do baile de formatura, sem imaginar as graves consequências do ato para todos.
Considerado um dos mais assustadores filmes de terror de todos os tempos – muito por conta de sua violentíssima sequência final –, Carrie – A Estranha vai além dos sustos e vale a pena ser assistido muito mais pela construção narrativa que leva à conclusão arrebatadora, do que propriamente por conta de sua fama limitadora. Testemunhar a trajetória de humilhação e rebaixamento sofrido pela personagem principal contribui para o efeito catártico do ato final, fazendo com que o monstro, ao término, não seja a garota que encerra seu sofrimento de maneira drástica, mas sim todos aqueles que perpetuam as más ações contra todos que são diferentes. Um clássico de respeito.
Muitos outros longas mereciam estar nesta singela lista. Afinal, não são poucos os grandes filmes que trazem a vingança como temática. Caso não esteja de acordo, não perca a oportunidade de se vingar e conte para a gente quais filmes você mais gostaria de ter visto em nossa relação.
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Vanderson Santos (E-mail) é Mestre em Letras, especialista em Análise do Discurso, cinéfilo e fã da cultura nerd/geek. Não dispensa um bom papo, muito menos um bom café.