SIX OF CROWS

COLUNA PITACOS 

POR LETICIA SANTOS

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Vamos falar sobre uma vingança planejada por anos, sobre uma mente capaz de arquitetar detalhe por detalhe da caída dos inimigos, levando em consideração todas as variáveis e contando com a repetição do comportamento humano. Vamos falar de Kaz Brekker, um dos personagens mais fascinantes e vingativos que já tive o prazer de ler. Ele é o personagem principal da duologia de Leigh Bardugo, composta de dois livros incríveis: Six of Crows e Crooked Kingdom, cujos títulos foram mantidos no original em inglês mesmo e tem capas incríveis.

Uma das coisas mais encantadoras nos livros de fantasia é que eles são capazes de nos transportar para um mundo totalmente novo e com suas próprias regras. Confesso que tenho uma tendência a antipatizar com os heróis clássicos, aqueles incorruptíveis, cheios das mais diversas virtudes, capazes de abnegações e sacrifícios mil. Credo, me dá tédio, prefiro um bom patife, um tremendo de um canalha, prefiro o Kaz. Ele não é nem de longe um herói, ele é um ladrão, um dos bons, o melhor deles. E desde criança planeja a derrocada de um inimigo concreto, um homem que o prejudicou profundamente, e que o fez lutar a cada segundo de sua vida para chegar no sublime momento de aproveitar a destruição desse homem.

Vemos nos livros que Kaz respira, come e dorme com a destruição do inimigo em vista. Um dos aspectos que eu mais gosto da vingança do Kaz é que ele sabe que a morte não é punição, que é rápido e fácil demais simplesmente providenciar uma faca nas costas ou um tiro no peito do inimigo, ele planeja derrubar o homem e acabar com o que ele mais preza, e para isso estuda todos os aspectos da personalidade do rival, se mostrando um exímio analista do comportamento humano, coisa que facilita os golpes e esquemas que ele organiza durante toda a narrativa.

Essa é uma vingança que eu respeito, isso sem falar que um bom canalha só conquista nossos corações quando ele tem um coração também, Kaz não é um herói, mas tampouco é um vilão. A dualidade de sentimentos é essencial para estabelecermos empatia por um vingador e Kaz nos faz desejar ajudar em sua empreitada, e isso sendo um chefe ranzinza e um amigo terrivelmente difícil de ler, a maioria das pessoas a seu redor nunca sabe o que ele está pensando ou sentindo, e na melhor das hipóteses só podem supor o que o motiva.

E está ai outro aspecto fascinante do mecanismo da vingança de Kaz, o fato de que ele consegue manter em sigilo suas intenções e seus planos, fato que não é tão interessante assim para seus “peões” nesse complexo jogo de xadrez, seus amigos o acusam várias vezes de ser um manipulador sem coração, o que ele é em várias situações, mas, como leitores temos acesso a visão geral, enquanto os personagens se limitam a suas próprias perspectivas que, em algumas situações, são bem ruins.

Kaz tem em mente um objetivo maior, e não esconde de ninguém que não mede brutalidade, mentiras ou trapaças para chegar lá. Mostrando ainda uma verdade dura de engolir para muitas pessoas: quando nós somos a vítima, tudo toma uma perspectiva diferente. Por que algo que deu de ombros num dia, refletindo que a pessoa foi tola ao se deixar enganar/roubar/trapacear muda totalmente de figura quando é conosco ou com alguém que amamos? Porque nesse caso envolvem sentimentos, envolve a sua percepção, e esse personagem mostra tudo isso. Só podemos ganhar do inimigo usando suas mesmas armas e estando dispostos a jogar conforme as regras escusas do jogo deles? Muitas vezes a resposta é sim, e gosto de livros de fantasia que valorizam o fato de que não é o bem que sempre vence, é o mais forte e o que se adaptou melhor, e Kaz nesse caso é um verdadeiro camaleão, o perigo escondido a plena vista.

Essa duologia passa tão rápido que dá pena de chegar no final, e, Leigh Bardugo conseguiu a façanha de fazer um romance crível nesses dois livros, ainda que, devo avisar que não esperem suspiros amorosos e declarações de amor melosas por parte de Kaz e de seu interesse amoroso, porque nenhum dos dois combina com isso. O tratamento da personagem feminina que é par do Kaz é incrível, ela é uma sobrevivente como ele, faz o que é necessário para se manter viva e sã numa cidade que conspira para roubar qualquer resquício de humanidade dos menos favorecidos. E ainda temos tramas entremeadas de vingança dentro das vidas dos personagens secundários, que tem romance e desfechos para todos os gostos, confesso que me dá vontade de dizer mais, mas seria spoiler e nada é melhor do que virar a página e se perguntar se está lendo corretamente. A diversidade de tipos na narrativa é incrível e encanta de maneira leve e divertida. Se você é um fã de fantasia, recomendo fortemente essa leitura o mais rápido possível, vai terminar ansiando pela vingança do Kaz tanto quanto ele.