O PRECONCEITO ACERCA DAS RELIGIÕES DE ORIGEM AFRICANA

COLUNA BLACKTUDE

POR VIVIANE BECCARIA

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 Tô do lado de Xangô e Ogum
Contra nós não resiste mal nenhum
Pode mandar quem quiser
Meu caminho é guiado pela fé
Big Up – Xangô

 

Segundo o Candomblé, Xangô foi um rei com grande poder e Ogum, um guerreiro implacável, cuja força militar fez povos se curvarem a ele. Ambos são Orixás, que são deuses que correspondem às forças da Natureza.

As religiões possuem origens similares, com nomenclaturas diferentes, mas por que exclusivamente as religiões de origem africana sofrem com tamanha desconfiança e preconceito?

No Brasil escravocrata, a população negra que possuía a fé predominante no Candomblé teve que relacionar seus orixás aos santos católicos – com isso, surge a Umbanda -, para não sofrerem retaliações posteriores. Esse fato fez com o que a discriminação aumentasse ainda mais, perpetuando-se até os dias atuais.

A base de minha criação foi predominantemente cristã, mais especificamente católica. Hoje, apesar de não ter mais interesse em me rotular por meio de uma religião específica, ainda tenho profundo amor pela comunidade em que cresci e também possuo imenso respeito e admiração pelos ensinamentos de Cristo, ao mesmo tempo em que sou fascinada por Buda, Krishma e Xangô.

Na minha infância, os cristãos que eu conhecia, inclusive minha família, tratavam os espiritualistas – principalmente os adeptos da Umbanda e Candomblé – como pessoas indesejadas, pois lidavam com a “magia-negra”, fazendo trabalhos que visam única e exclusivamente o mal. [Gostaria nesse momento salientar que relato especificamente uma experiência minha e compreendo perfeitamente o fato de que esse episódio não deve ser generalizado como um comportamento de todos os cristãos]. Isso me fez gerar um medo muito grande dos espiritualistas, pois eles poderiam fazer alguma magia para o meu mal.

Atualmente, relembrando esse fato, concluo que o preconceito baseia-se na ignorância, consistindo em qual for: religioso, racial, de gênero. Durante minha jornada, construí a convicção de que a fé é o melhor caminho para que possamos conquistar os nossos objetivos. Quando me refiro à fé, não tenho intenção de focar exclusivamente às religiões, ou à espiritualidade, mas também na autoconfiança que todos nós temos que possuir para evoluirmos como indivíduos.

Portanto, se não tivermos a liberdade de professar nossa fé, qualquer que seja, como poderemos evoluir como sociedade?

As religiões de origem africana possuem uma belíssima origem, baseada no amor e na busca pela plenitude, além de alimentar o desejo da conexão humana com a natureza. Obviamente, em qualquer movimento em que há a participação humana, social ou religiosa, haverá aqueles que deturpam a essência de cada manifestação de fé, e isso ocorre em todas as religiões.

O que há de se lamentar é o fato de que as religiões que mais são estereotipadas de forma bem caricata são as de raiz africana. Isso se dá ao reflexo do preconceito racial fortemente presente em nossa sociedade. Se o negro é marginalizado, logo tudo o que é relacionado à sua cultura e costumes assim o será.

O olhar para o que é diferente não deveria ser desconfiado ou amedrontado, pois a troca cultural é enriquecedora. Quando me abri para conhecer as mais diversas manifestações da fé – até mesmo as que não possuem conotação religiosa -, tornei-me uma pessoa melhor, aprendi a respeitar mais a individualidade de cada um e renovei minha convicção de que o conhecimento é emancipador. Portanto, a liberdade de culto que tanto é defendida por religiosos de todas as vertentes jamais deve ser seletiva.

Pegue aqui minha filha
a herança ancestral
força maior de nossa fé
Xangô lhe mostrou como Oyá
foi a maior das negras
Pegue aqui minha filha
o que há de mim, o melhor
a força em cada gota de melanina
Vá pro mundo minha menina
ser melhor, ser maior
ser tudo aquilo que nos negaram!
Seja negra!
E não seja obrigada a nada!
Seja a sua ancestralidade pois se
os galhos estão fortes quem te sustenta é a raiz.

Poema de Marcia Cousso