COLUNA PITACOS
POR LETICIA SANTOS
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Eu amo literatura fantástica, então, me reservo o direito de continuar com esse tipo de livro essa semana, mesmo porque, eu tinha um amor sem tamanho por essa série que vou recomendar, mas aí conheci o novo amor da minha vida que apresentei semana passada.
As Mentiras de Locke Lamora foi escrito por Scott Lynch, e é o primeiro livro de uma trilogia que foi lançada rapidamente e satisfez os fãs pela rapidez e consistência na qualidade da obra. Leitores ávidos de fantasia – me incluo aqui nessa legião de sofredores -, geralmente sofrem com a demora no lançamento das continuações ou até mesmo da tradução dos livros para o português, então, quando temos um autor que lança constantemente e uma editora que nos presenteia com uma tradução rápida é para dar pulos de alegria. Confesso que comprei As Mentiras de Locke Lamora pela capa, faço isso com bastante frequência e sem culpa, uma bela edição vale meu dinheiro, se o enredo for ruim, pelo menos fica bonito na estante, uma vitória, certo? Mas, nesse caso, Locke Lamora me conquistou e o autor se mostrou um narrador muito hábil, ainda que eu pessoalmente fique entediada com livros entremeados de flashbacks, em Locke Lamora eles são necessários para nos apresentar a infância do personagem e nos ajudar a entender melhor a organização das gangues na cidade e, principalmente, nos situar sobre o tipo de pessoa que é nosso protagonista, a definição mais marcante dele para mim é essa: <<Não sei muito bem como explicar. Algumas de minhas crianças gostam de roubar. Algumas são indiferentes ao roubo e outras apenas o toleram porque sabem que não têm mais nada para fazer. Mas ninguém, digo e repito, ninguém nunca demonstrou tamanha avidez pelo ato de roubar quanto esse menino. Se ele estivesse com o pescoço cortado e um galeno estivesse tentando costurá-lo, Lamora roubaria a agulha e o fio e morreria rindo. Ele… ele rouba demais>>.
E sim, novamente lhes trago um ladrão, um tremendo de um ladrão trapaceiro, líder de sua gangue que é especializada em grandes esquemas para roubar dos nobres, daí o nome da saga “Os Nobres Vigaristas”. Ladrões em geral não têm muito problema em trair, mentir, matar ou ferir, são bem carentes de consciência pesada, o que é terreno fértil para crescer rancores.
A primeira coisa fascinante sobre a vingança nessa trilogia é que ela tem camadas, temos o vilão, nosso querido Rei Cinza – um vilão inteligente, daqueles que dá gosto de ler, e que tem esquemas para chegar a sua vingança -, porém, lembram-se que eu disse que para causar simpatia no leitor o autor da vingança precisa ser humanizado e nos fazer sentir sua dor? Pois bem, o vilão não ganha esse perdão para suas maldades através dos nossos olhos piedosos com sua injustiça, somos, ao contrário, levados a odiá-lo como um ser totalmente vil pelos métodos sem charme e cruéis que ele usa, e o pior, manipulando personagens que já ganham nosso coração no começo do livro.
Infelizmente para o rei Cinza, ele escolhe usar a gangue do Locke Lamora, um bando bastante canalha, mas com um código de lealdade e amizade bastante estrito como peões em seus elaborados jogos de vingança. Nesse primeiro plano do livro a vingança e o ódio do Rei Cinza são o objetivo dele, que termina por usar terceiros para seus jogos de manipulação e derrubada do causador de sua injúria. Nesse ponto, Locke e seus amigos são meros peões do Rei Cinza, peças descartáveis para eles, ladrões talentosos sim, mas nada mais que instrumentos e menos importantes que seu inimigo. No entanto, nesse universo há coisas que você pode fazer e continuar um bom bandido, por assim dizer, e coisas que ultrapassam a linha da boa malandragem. Sabe aquele estereótipo do malandro carioca de chapéu branco e uma lábia de dar inveja? Pois bem, Locke e seus amigos são mais ou menos como ele, o roubo e os esquemas são uma arte, eles enganam todo mundo com fineza, esquemas abrutalhados são para amadores, mas, como são envolvidos nesse esquema que vai contra suas tradições morais e religiosas – tem um deus para os ladrões e toda uma série de ritos sagrados e dogmas a serem seguidos, é realmente fascinante a relação entre eles e seu deus-, o resultado disso é que nosso vilão se torna o alvo prioritário de nossos ladrões, e eles entram numa cruzada para se vingarem de um vingador, jogo ruim de palavras, perdão, não resisti.
Uma das coisas mais fascinantes sobre enredos em mundos fantásticos, e, principalmente, envolvendo a classe baixa e criminosa desse mundo, é que eles são mais honestos que os demais na maior parte das vezes. Quando não estão atuando ou trabalhando para depenar algum nobre idiota, o bando de Locke usa os sentimentos tão visíveis que chega a doer. Locke Lamora é um santo cheio de amor pelo próximo e abnegação? Nem de longe, ele é um patife sem caráter, pronto para levar todo o seu dinheiro e rir com os amigos por ter te engambelado. Mas, a questão é que eles têm rancores próprios, regras que não devem ser quebradas, porque se ladrões e criminosos começam a atravessar certos limites isso leva ao caos, certo? Sim, exatamente isso, e é delicioso ler nessa série como uma vingança, bem arquitetada e até justificável, levou uma cidade inteira ao caos puro.
Os Nobres Vigaristas é uma série sobre vingança, e para ter dado tão certo só com personagens fascinantes, tão profundamente passionais e capazes de rancores tão fortes quanto suas lealdades. Se tem algum aspecto ruim, é o interesse amoroso do Locke, essa coluna aqui é minha e me dou o direito de odiar alguns personagens e enlaces amorosos, ainda que pela graça dos deuses olímpicos, a obsessão do Locke em forma de mulher só aparece no último livro da trilogia, e o que sobra de vingança passional e enredo emocionante com uma narrativa eletrizante nos dois primeiros, falta a esse romance forçado. O pecado literário nessa saga é um romance sem química, e, enquanto eu já estava acostumada a ler enredos fantásticos com romances pífios, semana passada lhes apresentei uma duologia onde estão aliados todos os elementos necessários, inclusive vários pares românticos cativantes, enfim, é só um detalhe na saga e pode terminar te agradando, já que cada leitor enxerga romance de um jeito diferente. Bem, meus amigos, recomendo-lhes fortemente essa saga, leiam com cuidado, não é para os fracos de coração, tem momento absolutamente tristes, de dar lágrimas nos olhos, mas, são compensados com algo bem simples e que já conhecemos: a vingança sempre vem para os injustiçados.