APITA O ÁRBITRO!

COLUNA NO MEU TEMPO 

DOUGLAS MOREIRA

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Em um momento em que nossos ouvidos são inundados de embargos dos embargos declaratórios, habeas corpus, devida ou máxima vênia, temos uma pequena sensação, salvas as devidas proporções, que alguma justiça está se fazendo ouvir no nosso país. Sem entrar no mérito (não resisti), sobre quem é culpado ou quem é o próximo a ser enjaulado, há de se admitir que nunca na história desse país (não resisti novamente) o brasileiro falou tanto sobre o sistema judiciário e sobre as personagens que o cercam (ou cerceiam).

Eu, confesso: não sei escalar a seleção do Tite. Sei que tem o Neymar, o Roberto Carlos, o Daniel Alves e só, mas se você me pedir para escalar o STF, da ponta esquerda a ponta direita (sim, temos as duas naquele timeco), sei de todos, inclusive por ordem de entrada no time. Eu gosto de política, gosto do direito, me interesso por todos esses meandros, esse poker que tem feito parte da nossa rotina, gosto de entender as coisas e conseguir pôr a cabeça para fora d’água para dar a minha opinião. Tenho orgulho de não ser massinha de manobra (sim, tenho filhos).

Como no Brasil tudo leva ao futebol e o jogo só termina quando acaba e vice-versa (Saudoso Vicente Matheus), não é de se estranhar, e chega a ser inevitável, que o que acontece lá em Brasília seja imediatamente levado ao nosso terrão, onde a pelota rola quadrada porque não honramos nossas pernas tortas. No Brasil, todo mundo é técnico e todo mundo é jogador, todo mundo xinga a mãe do juiz. A questão agora é que temos duzentos e vinte milhões de juízes!

Cada um tem uma opinião, cada um tem uma data venia para chamar de seu e um habeas corpus na ponta da língua para finalizar uma piada ruim. Fato, todos nós agora somos doutores. E esta preleção (não vou fugir ao chamamento do clichê, porque o amo), serve única e exclusivamente para dar contornos à situação surreal que presenciei esta semana ao parar num farol demorado no caminho da escola do meu mais velho.

Dois agentes de trânsito, os famosos marronzinhos (mas que poderiam tranquilamente ser moronzinhos), estavam iniciando a remoção com guincho de um carro que passou a noite toda parado em local proibido. Ao lado deles, o desesperado dono jurava que pagaria a multa, implorava que não levassem o seu carro, e se justificava que havia passado a noite na casa da ex esposa porque havia vindo de longe visitar as filhas. Diante da recusa dos agentes, sacou a carteira, mostrou a foto das pequenas, da ex mulher, da mãe e certamente de nossa senhora – no local onde deveria haver um talão de cheques. Não houve sinal de comoção por parte dos agentes frente ao que poderia inclusive ser considerado por eles uma insinuação de oferecimento de propina! Já sem muitas opções para contornar a situação e com seu carro já com a metade da carenagem em cima do guincho, só sobrou ao infeliz infortunado dono do carro o último dos recursos: sentar na calçada e chorar copiosamente. Debruçou-se sobre os joelhos e num soluçar empolgante, começou a verter lágrimas; dramaticamente, arrancou os óculos e sacou um lenço do bolso onde ora assoava o nariz, ora limpava os olhos encharcados. E, nesse momento, lançando mão de sua última cartada, conseguiu finalmente a atenção especial (talvez um sonhado foro) de seus interlocutores. O primeiro, sacando a caneta do bolso, anotou um telefone e disse ao homem:

– Olha, faz assim, o senhor liga nesse telefone e diz que acabaram de guinchar seu carro, diz que o senhor precisa fazer, sei lá… uma petição judicial né Marinho?

– É, uma petição jurídica. Aí, não vou garantir, de repente o senhor consegue um habeas corpus pro seu carro. Mas não é garantido, tá? Porque depende do processo e tal…

Como dizia o Tom: “O Brasil definitivamente não é um país para iniciantes”.