COLUNA PITACOS
POR LETICIA SANTOS
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Olá, estou de volta, não por demanda popular, mas para falar sobre vingança mais uma vez! Mas não é qualquer tipo de vingança, meus caros, trata-se de uma verdadeira Vendetta, que é um drama sem fim misturado com paixão, esses dois elementos conglomerados com sentimentos conflituosos fervem e se mesclam sob o fogo brando, porém constante, do ressentimento.
Se tem uma coisa que Alexandre Dumas fez bem, foi escrever dramas vingativos e imaginativos o suficiente para se estenderem até os dias de hoje. É impossível falar de vingança na literatura sem citar O Conde de Monte Cristo, e é essa obra enorme e magnífica que indicarei essa semana.
Definir o que é um clássico da literatura depende de uma mistura de fatores, mas, uma das coisas que todas as obras consideradas clássicas têm em comum é que elas são atemporais, ou seja, persistiram por décadas a fio, chegando a ultrapassar os séculos. Alexandre Dumas conseguiu colocar várias de suas narrativas nesse patamar, e inspira até hoje análises, adaptações e paixões por seus livros. Sua trama de vingança em O Conde de Monte Cristo é tão complexa quanto envolvente, sendo uma das principais obras de referência para sagas de vingança.
O primeiro ponto crucial na obra é o fato de que logo no começo, Dumas nos prende a seu protagonista, nos fazendo torcer pela vida de Edmond, que começa o livro sendo traído, encurralado e jogado no esquecimento, todos podemos empatizar com um personagem que tomou uma rasteira dessas. E eu, particularmente, me identifico com o fato de que ele usou seu tempo na masmorra para remoer o ódio e o ressentimento, fazendo com que sua sanidade fosse mantida em prol de um objetivo de vida: vingança.
Outro aspecto deliciosamente tradicional é que nosso desafortunado da vez teve a sorte de encontrar um amigo para ajudá-lo dentro da prisão, promovendo seu enriquecimento cultural e ajudando-o a manter a mente afiada para planejamentos maquiavélicos da queda de seus inimigos. Há que se reconhecer que Edmond é um homem focado, ele passa o livro todo respirando e agindo com sua jogada final em mente: fazer todos os envolvidos em sua derrocada sofrerem. E uma das coisas mais fascinantes das obras de Dumas é que ele consegue entremear a situação dos personagens com a situação política de sua época: retratando costumes, figuras históricas, a geografia, com tamanha maestria que somos transportados para a França.
A narrativa de Dumas nesse livro é de tal forma encantadora que a classifico como prosa lírica – e me comprometo a explicar decentemente um dia -, que é o ato de usar em textos narrativos recursos poéticos, conseguindo fazer com que o texto em prosa tenha elementos claros de poesia, e passando ao leitor uma gama de sentimentos que poetas sabem despertar tão bem. Toda pessoa que já ouviu a lírica de Camões na voz correta sabe como a poesia pode nos afetar, e só quem leu Dumas pode entender como a vingança que move Edmond é um traço tão enraizado no personagem quanto o dramatismo marcado de seu criador.
As novelas mexicanas – elas são boas, não critiquem meu gosto peculiar – não são nada comparadas aos extremos em que chegam os personagens do Conde de Monte Cristo, em termos de reviravoltas, exagero e a capacidade de prender a atenção, coisa respeitável em um livro desse tamanho. Outra coisa fascinante nessa trama é que, diferente dos meus amados ladrões sem escrúpulos dos livros de ficção fantástica, o protagonista de Dumas transborda com os ideais nobres de sua época, sendo um baluarte de honra, retidão e disciplina.
Ai vocês estão me olhando com cara de espanto e se perguntando como é que gostei desse livro, se já disse que prefiro um bom patife, e lhes respondo que esse aspecto dele é irritante para mim, mas não para todos. A consciência intranquila de Edmond é um ponto que conta a seu favor nesse contexto específico, já que ele é o contraponto honesto e virtuoso de seus algozes, ele representa um homem digno e trabalhador que foi trapaceado e traído por homens que não tinham sua retidão moral, foram eles os culpados pelo enegrecimento da alma do nosso vingador e, portanto, seu sangue e suas lágrimas devem ser derramados para que ela fique limpa.
A jornada de Edmond é tanto de vingança quanto de redenção, mas, ao longo do arco narrativo vemos que sua sede de vingança se torna um dever, se ele fez um juramento na prisão anos antes, tem de cumpri-lo, mesmo que sua mente e corpo já cansados anseiem por paz. Esse livro merece ser lido por retratar tão bem o que é uma vendetta: um juramento de busca por reparação, uma jornada para equilibrar a balança da vida. O problema com a vendetta para homens tão nobres quanto Edmond é o fato de que apesar de desejarem a vingança e se comprometerem com ela, eles terminam por ser perturbados por sua consciência – aqui o velho amor do protagonista –, e mostram sérios sinais de culpa por aqueles que são afetados por seus atos – mas não diretamente ligados à sua vingança. Uma das coisas emblemáticas nessa narrativa é o fato de ele capitular diante das súplicas de uma mãe desesperada, sendo ele incapaz de infligir mais dor a Mercedes, ainda que tenha invocado seu direito de retratação diante da ofensa proferida pelo filho desta. Edmond é um persongem cheio de nuances, mas não deixa de ser um herói de coração nobre, talvez esse seja seu maior encanto e seu maior defeito.
O Conde de Monte Cristo é uma obra sobre vingança, paixão e princípios, e em última análise é um aviso também: a vingança são cai bem para aqueles de estômago fraco. Leiam, é um clássico que merece ser degustado aos poucos.