LORCA

COLUNA LORCA

POR CHARLES BERNDT

*

tua voz
ao longe e tão perto
um cometa de luz escarlate
a entrar com doçura na órbita da Terra
ou um eco ou suspiro dentro fundo de mim
meu desejo
meu medo
meu sonho
o vislumbre de um mundo melhor
uma floresta de pinhos
em Leiria
a calmaria do dia
e nossas almas brandas
sob a capa branca da paz
que há muito jaz
em sono dentro de nós

tuz voz, tua voz
companheiro das andanças
cigano
amante de homens
e outonos
voz caliente
e sedutora de Espanha
como peregrino fui ter contigo
em Granada
teu túmulo de pedra
não é nada
diante da tua alma
alçada
ao mais alto dos corações humanos

filho universal da Ibéria
como tu
caminhei sem medo pela terra seca
de Lisboa a Sevilha
de Córdoba a Lucena
de Almeria a  Murcia
e subi para Toledo
vi a soberba Madrid
a velha Astorga, Oviedo
Lugo e enfim Santiago
onde lavei minhas feridas

mas a alma se lava
é com coragem
em demasia
sem medo diante da morte
gritar a última poesia
e amar
amar sem conta
o destino combalido
ainda beijar
e pelo caminho
sedutoramente
plantar palavras
com carinho
como quem aponta o céu
a um menino
ensinando a não ter medo de sonhar
ainda que haja sombra
ante a ditadura, sempre a liberdade
a cada plantio a sua semeadura
e da água fria
da vida
uma luz
que nos consuma
que nos transforme em armadura

sem fuga, sem fuga
a eternidade, Federico, é nossa amiga!