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Por Romulo Narducci
Assim como o seu mestre e antecessor Whalt Whitman, que escreveu o clássico Leaves of Grass (Folhas na Relva) e Democratic Vistas, Allen Ginsberg também cantou a América em versos. Porém, obviamente que no auge dos seus 42 anos, vivendo em meio às mudanças em que a cultura estadunidense vinha sofrendo, atolada numa estúpida guerra do Vietnã e o choque do conservadorismo com o crescimento irrefreável da contracultura, Allen Ginsberg jamais escreveria odes e poemas de exaltação a um país marcado pelo preconceito racial e sexual, truculência militar e crimes ambientais impunes.
A obra A Queda da América, publicada em 1972, do poeta que abriu a pontapés o caminho para a Geração Beat, com o seu polêmico livro de estreia Howl (Uivo), publicado pela primeira vez em 1956, dá segmento ao seu vórtice literário enfurecido, antagonizando o mestre Whitman que traz em Democratic Vistas uma América esperançosa de uma democracia camarada e igualitária. E é para o mestre que Allen Ginsberg dedica a obra que traz como porta de entrada a epígrafe:
“…o mesmo relampejar elétrico ao sul
segue esse trem
Apocalipse profetizado –
a queda da América
prenunciada no céu –”
A poesia de Allen Ginsberg trata-se não só de uma viagem literária através de um olhar contemplativo que o poeta registrara no papel após suas experiências de carne e alma. Trata-se de algo além, onde o leitor pode alcançar vias quase que sensoriais, pois os poemas transitam sinuosos, sem rima, a quebrar antigas regras ortodoxas, que Whitman anteriormente já teria trespassado com o seu pioneirismo, é claro. Mas Ginsberg dá força às suas palavras pontuando cidades, mencionando o cotidiano de um país em meio ao caos – entoando personagens tão comuns no real american way of life, mas que jamais seriam protagonista dos cartões postais com aqueles chapéus de caubóis com sorrisos brancos e bronzeados californianos -, além de experimentar sons de fábricas, bombas e mencionar letras de músicas ouvidas no rádio no momento da inspiração poética, como no poema chamado Poesia Estradeira Los Angeles-Albuquerque-Texas-Wichita, em que cita trecho da canção A Well Respected Man, dos Kinks. Sem contar que cada poema é escrito ao clássico estilo beatnik, no ritmo efervescente do Jazz que se faz presente brilhantemente na leitura.
A Queda da América trata-se de uma verdadeira obra-prima opositora aos valores conservadores eivados da hipocrisia da boa vizinhança dos Estados Unidos.
Segue um dos poemas que consideramos mais marcantes e que mostram a força da obra:
UM JURAMENTO
Hei de vagar por estes Estados
careca de barba
olhos olhando da janela do avião,
cabelo solto no ônibus Greyhound meia-noite
debruçado no banco do táxi pra admoestar
o motorista zangado xingando
mão levantada pra acalmar
seu veículo indignado
que eu passo com o Sinal Verde do respeito comum.
Senso Comum, ternura comum
& tranquilidade comum
os meios que dispomos na América pra controlar a máquina
da guerra devoradora de dinheiro, indústria cheia de luzes
por toda a parte e digerir florestas & excretar pirâmides macias
de papel-jornal, patriarcais Sequoias e Pinheiros
em silenciosa Meditação assassinados & regurgitados em forma de fumaça,
serragem, tetos histéricos de Novelas de TV,
Vidas grossas mortas, Anúncios sofisticados
pra Governadores mandachuvas
arrotando Napalm em palmeira arroz floresta tropical.
Dinamite nas matas,
galhos voando em câmera-lenta
trovão ravina abaixo,
Helicópteros rugindo sobre Parque Nacional, Pântano do
Mekong,
Fogo de dinamite arrebentando Vilas-Modelos,
Violência gritando pra Polícia, Prefeitos se irritando no rádio,
Taca bomba nos Crioulos!
taca Fogo nesses Chinas
Dragão Frankenstein
balançando a cauda sobre a cúpula do reservatório de petróleo
de Alumínio de Bayonne!
Hei de vagar por estes Estados o ano todo
olhando melancólico por janelas de trens, azul aerocampo
rede de TV vermelha nas planícies da tarde,
decodificando mensagem editorial Provinciana de radar,
decifrando pragas de empregados de Canos de Ferro
batendo martelos levantam garra mecânica
se elevam sobre agonia porto-riquenha gritos de advogados
nas favelas.
11 de outubro de 1966.
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Fotografia