A presença da arquitetura na vida cotidiana é fundamental. Habitamos espaços. Movemo-nos em lugares compostos de significados, espaços visitados rapidamente ou aqueles que conscientemente prolongamos a estância. Lugares que vivemos uma grande parte da nossa vida ou efêmeros, do acaso, que não deixaram nem rastro, nem lembrança: lugares esquecidos.
Todos já estivemos naqueles lugares de medo ou de acolhimento, de ternura ou de prazer, de contentamento, relaxamento, contemplação. Lugares preservados devido a sua importância histórico-cultural, material ou imaterial; lugares de trabalho ou de ensino, de culto ou punição, profanos e pagãos, emblemáticos para uma sociedade ou nação, ou erguido para se fazer memória de alguma boa ou má celebração.
Espaços que envergonham, que deprimem, que nos diminuem frente a tantos outros que nos erguem, que nos iluminam, que nos elevam e celebram a vida, preservam o bem, e transformam a cultura e a vida humana. A deriva, terminamos adentrando espaços inesperados, obscuros, radiantes, intrigantes, apaixonadamente intensos, lugares que nos surpreendem, que nos pausam o pulso, que nos transportam para onde nunca deveríamos ter saído, ou ao contrario, que nos levam a saltar vertiginosamente ao desconhecido.
E nessa seqüência incansável de experiências sensoriais, a visão certamente esteja sobrevalorizada, ofuscando muitas vezes a possibilidade espacial de se permitir explorar outros sentidos como o olfato, a audição, o tato ou o paladar através da limitação do sentido óptico.
Para os grandes teóricos da arquitetura, a luz é essencial na vivência espaço-sensorial. Inúmeras exposições, instalações e obras arquitetônicas trabalham a composição do vazio e a sua relação com a luz natural (ou a ausência dela).

Reza a lenda que a luz que entra no Panteão em Roma inspirou Le Corbusier em 1911. Dizem que foi exatamente neste local que Tadao Ando, o mestre da luz, decidiu que queria ser arquiteto em 1965. Rem Koolhaas considera o Panteão o prédio mais extraordinário do mundo.
Mitos a parte, a luz que cai do grande óculo central de 8,9m de diâmetro no topo da cúpula e que viaja 43 metros para traçar seu recorrido no chão de mármore tenta simbolizar a conexão do céu com o mundo terreno, embora, mais que isso, transmita harmonia e grandeza para uns, e opulência e constrangimento para outros.

Minha avó, que era uma historiadora apaixonada pela cultura e arte romana, descreveu o Panteão como uma “pérola do tempo”. Para ela, nenhuma outra obra arquitetônica representou tão majestosamente o tempo através do simples trajeto da luz. O tempo, sua efemeridade, seu rastro, seu ritmo. A fresta, o óculo, o feixe de luz que internaliza o sol.
Já no campo das artes visuais, ninguém melhor do que o Olafur Eliasson para trabalhar a experiência temporal da luz. Já em 1997, Eliasson cortou uma abertura circular no teto da Marc Foxx Gallery, em Los Angeles, para admitir luz natural no espaço. O feixe de luz viajava lentamente pelo chão e pelas paredes da sala do nascer ao pôr-do-sol, encorajando o espectador a considerar o movimento da Terra em relação ao sol e ao seu lugar no mundo.

Your Sun Machine (1997) precedeu a The Weather Project, sua obra mestre, que ocupou a sala de turbinas da Tate Modern em Londres em 2003.
Nesta instalação as representações do sol e do céu dominam a extensão do Turbine Hall. Uma fina névoa permeia o espaço, como se estivesse se arrastando do ambiente externo. Durante todo o dia, a névoa se acumulava e ia pouco a pouco se dissipando no espaço. O arco repetido no espelho produzia uma esfera ligando o espaço real à reflexão. O que torna o The Weather Project uma instalação inesquecível é, desde do meu ponto de vista, a filosofia por detrás da obra. Eliasson está sempre tão interessado no senso de comunidade, ‘do estar junto’, da democracia, da participação que consegue e conforma significados comuns com a simples exibição de um sol extraordinariamente imenso que cobria a todos de um laranja radiante e vivo (ver palestra do TED – Brincando com o espaço e a luz, 2009). Para mim o artista consegue superar a dicotomia polarizada das experiências individuais e coletivas, um desafio poucas vezes conseguido na arquitetura.

Steven Holl sem dúvida nos apresenta na contemporaneidade sua maneira impecável de esculpir a luz na obra arquitetônica. Segundo o arquiteto, o espaço torna-se esquecido sem a presença da luz. A sombra e as suas diferentes fontes, a sua opacidade, a transparência, a translucidez e as condições de reflexão ou refração, entrelaçam-se para definir a experiência sensorial de um indivíduo no espaço-tempo. A luz é completada pela sombra, como dois opostos que se interligam e que não existiriam um sem o outro.

Esse jogo de luz e sombra, de cheios e vazios, sólidos geométricos verticais, cilíndricos, horizontais, são convertidos em arquitetura unicamente quando se dá uso e se promove experiências sensoriais conformando significados, história, memórias, laços, manifestações, transformações e emoções. Porém não deixam jamais de serem experiências únicas, mesmo que compartilhadas, serão subjetivas e individuais.
Já me dizia um amigo sobre a mítica história de desencanto do arquiteto chileno Smijlan Radic que ao ler uma descrição do Aldo Rossi sobre a Igreja de Mantua e a maneira como a luz entrava e era filtrada pela nevoa da manhã fazia desse espaço um lugar ímpar. Smijlan chegando a Mantua nunca foi capaz de ver tal reflexo, e é quando entende que essa luz e essa névoa só pertenciam a Rossi, ninguém mais era capaz de vê-las. A arquitetura de Smijlan é “uma luta desesperada para poder encontrar essa luz”1. A nossa experiência no espaço, como a de Rossi, é única.
E assim, no nosso interior se instalam inúmeras réplicas do mundo físico que percorremos, desses lugares experimentados, dessas luzes, dessas névoas, dessas sombras, dessas vivências compartilhadas e interiorizadas como a luz e o tempo do Panteão.
E nesse desejo de continuar experimentando e vivenciando espaços, resta à arquitetura continuar buscando transmitir significados, ser cenário do drama da vida cotidiana e, também, morada de diferentes emoções e sentidos, sendo ora sujeito, ora objeto, ora luz, ora sombra, ora caminho, ora penhasco, ora espera, ora encontro.
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Natalia De’Carli é doutora em arquitetura e mestre em cidades e arquitetura sustentável pela universidade de Sevilha. Atualmente vive e trabalha como arquiteta e consultora em Londres e acredita que um outro mundo é possível.
* 1 Agradeço ao querido amigo arquiteto Alejandro Carrajo pelas conversas importantes e aquelas não importantes, que me levaram a conhecer a Igreja de Mantoa e o desencanto de Smijlan Radic.
* ELIASSON, Olafur (2009) Brincando com o espaço e a luz. TED Fonte