CAMINATA SINCOPADA – NÊMESIS PARESCHI

Eu percebi que algo estava errado. Via minha filha tensa, mais preocupada do que o normal e dormindo muito, o que não era de seu feitio, já que sempre buscava estar com os amigos para lá e para cá, praticando esportes ou inventando um novo curso para estudar.

Aos poucos, a via cada vez mais diferente. Além de mãe eram a sua amiga, já a conhecia o suficiente para perceber a mudança daquela jovem de 24 anos. Deixei estar por algum tempo, pois como sempre fomos muito próximas, sabia que ela contaria comigo caso precisasse de algo, poderia ser apenas uma fase ruim. Mas esta fase durou semanas e meses. Até que um dia a vi desesperada chorando no chão da garagem, tremendo em pânico, gritando por ajuda porque havia esquecido uma caixa de papelão em um evento. E ela repetia: “eu levei 7 caixas, só tem 6 aqui!”. Nunca tinha visto minha filha em um estado daqueles de tamanho descontrole. Por fim, ela se acalmou e no dia seguinte teve que voltar ao local para buscar a caixa, que já havia sido reciclada, inclusive, sendo na verdade algo de nenhum valor.

Aquele dia foi decisivo para nós, seus pais, percebermos que algo estava além de uma simples crise emocional. Depois daquilo, ela começou a evitar sair com bolsas ou colocar coisas em bolsos com medo de perder algo, evitava eletrônicos com medo de esquecê-los ligados e explodirem, evitava sair de casa com medo de esquecer alguma coisa pelo caminho. E, então, a levamos ao médico depois de vê-la 4 noites dormindo com a luz acesa com medo de sair da cama para ir ao banheiro, de ser sonâmbula, de pegar o carro dormindo e causar um acidente. Para tudo havia um ritual que se repetia às vezes por duas horas.

Fomos primeiramente ao clínico que nos indicou uma psiquiatra. O diagnóstico foi efetivo e claro para ela: TOC – transtorno obsessivo compulsivo com traços de depressão. Neste momento, ela já não trabalhava mais ou tampouco dirigia. Parou as atividades físicas que sempre amara e não queria conversar com ninguém. O tratamento levaria tempo, sabíamos disso, mas acima de tudo via nela a vontade de viver.

Aos poucos, passo a passo, com remédios e acompanhamento psicológico, ela foi retomando sua vida. Reaprendeu a sair, a conversar, a dirigir, a carregar as bolsas coloridas cheias de coisa que tanto adorava comprar. Com o apoio de seu namorado naquele tempo, que foi decisivo para sua melhora, ela foi caminhando. Via minha jovem filha como um bebê novamente, conquistando tudo de novo.

A jornada foi longa. Após 1 ano em casa, retomou sua carreira profissional, apesar de ainda sentir medos e ansiedades, partes da doença, e foi se libertando.

Creio que esta é uma história de amor de todas as maneiras. De nós, pais, para com ela, por nunca termos desistido e até brigado muitas vezes para que ela reagisse, e dela para com a própria vida. Alguns médicos ainda estranham sua melhora rápida com baixas doses de medicação, mas o amor dela por Deus, por si mesma, pela família e por seus sonhos a moveram em frente. Sempre querendo mais, sempre indo além. Amar a vida é o segredo de ser realmente feliz. Cura? Infelizmente, para ela, isso não existe. Há apenas o controle da doença. Mas ela diz com todas as letras que amou tudo o que viveu, pois as dificuldades a fizeram amar ainda mais tudo o que a cerca.

Obs.: Pai, mãe, sei que não foi fácil para vocês. Mas saibam que eu os amo demais e sou eternamente grata por não desistirem de mim quando mais precisei e por me auxiliarem a enfrentar minhas batalhas. Sem o amor infinito de vocês, nossa fé, e a vontade de viver, não sei o que teria acontecido. Aprendi que amar a vida, seja ela como for, seja lá o que ela trouxer, da maneira mais pura, isso muda tudo. Isso mudou a minha história para sempre.

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Nêmesis Pareschi (e-mail) é professora de inglês, confeiteira, graduada em Administração Hoteleira pela Universidade Anhembi Morumbi e em Gastronomia pela Universidade Metodista de São Paulo. Ama toda forma de arte, sonha em viajar por aí experimentando todas as comidas possíveis e aprendendo todas as danças que encontrar. Uma eterna aluna do mundo.