Ela sabia que largar tudo lá no sul do Brasil e se arribar pro império nordestino não seria fácil, mas ainda assim meteu as caras e se mandou pro Ceará de mala e cuia. O choque foi tremendo, teve choro e esperneio, até que o primeiro encontro dela com o carrinho do tapioqueiro lhe mudou o destino: encontrava o amor de sua vida, ou pelo menos um que essa terra tinha pra oferecer. Já esquecia o que era solidão ou mesmo todo o caos em meio à cidade grande. Sem exagero, claro, isso rolava nem que fosse um só instante. Agora nem venha com essa de achar que é amor de querer beijar e dar cheiro porque eu tô falando é de amor de comer e não é pouco não. E calma, deixe de enxerimento que em momento algum eu falei do tapioqueiro. A paixão dela era o produto que aquele tinha a oferecer e que lhe enchia a tarde de felicidade: a tapioca. Aquela farinha branquinha e molhada, que dançava na peneira e caía na chapa quente a hipnotizava. Fosse quentinha com manteiga, leite de coco ou condensado – pra quem é que nem saraça por doce – tudo era motivo pra festa. E quando a ragazza esquecia de almoçar e queria comer algo mais reforçado? Pode mandar uma tapioca com carne do sol, frango ou mesmo queijo e presunto que não tinha tempo ruim. Ruim mesmo só quando o tapioqueiro não vinha e a bichinha ficava amuada que nem cachorro que levou banho de chuva. “Mamma, che cazzo”, xingava, xingava e não tinha jeito. Tinha que esperar até o dia seguinte pra voltar o bom humor.
E se eu disser que nem nas férias visitando a família ela esquecia a passione da vida dela? No meio das malas iam pelo menos uns 4 pacotes de farinha pra fazer o lanchinho quando desse vontade. Dá pra imaginar, una ragazza do Veneto, em plena primavera, comendo uma tapioca com queijo em terras de Montéquios e Capuletos? Até me faz pensar se o desastre entre as famílias não teria sido menor se a paixão da Julieta fosse a mesma. Vai saber. Só sei que nessa história até o coração dela quando tava partido parecia dar trégua e se alegrar de novo. Tô pra ver um amor igual. Agora quero nem imaginar quando chegar a hora do arrivederci e a gringa tiver que dar um “até logo quem sabe” pra tapioca, vai ser um chororô medonho. Acho que só comendo muita tapioca pra aguentar de saudade. Mamma, mamma.
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Kelvis Santiago (@kelvissn) é cearense e apaixonado por histórias. Não dispensa um bom filme e nem uma boa cerveja. Cabra da peste e da poesia. Formado em Letras e servidor da Universidade Federal do Ceará.