Paixão é sentir uma atração profunda, um grande interesse numa profundidade tão intensa que envolve impulsividade. Apaixonar-se é a entrega ao desconhecido, é inquietante, é a mescla do êxtase com o desespero. É o querer e não querer ao mesmo tempo. Os efeitos em nosso corpo não passam despercebidos. Biologicamente, o aumento de substâncias como dopamina, endorfinas e noradrenalina proporciona tremores, rubor, aumento da frequência cardíaca e respiratória, além da possível diminuição de sono e de concentração. Não por acaso, a serotonina, envolvida na regulação de humor e na resposta ao estresse, diminui sensivelmente.
Embora não se possa sobreviver em altos níveis de paixão a vida toda (até porque você não sobreviveria) ela é importante para nossa motivação. É preciso ter um mínimo de interesse para desenvolver uma profissão e uma paixão quase visceral para desenvolver uma carreira incrível.
A pesquisa científica, no aspecto biológico, tem nuances de paixão. É regada por momentos de amor e de ódio, entre questionamentos sobre “por que eu ainda insisto nisso?” e “como pude viver tanto tempo sem me aprofundar na ciência?”. Toda pesquisa nasce de uma pergunta. Toda pergunta nasce de um questionamento. Todo questionamento nasce de observação, de vivência. Para responder sua pergunta será necessário fazer experimentação para aceitar ou rejeitar hipóteses. Os caminhos da pesquisa são tortuosos, já que inúmeras vezes seu início tem uma motivação diferente de seu final. Seja porque não era bem isso que você imaginava, seja porque não obteve as respostas pretendidas.
As condições do pesquisador no Brasil estão bem distantes do ideal. O pesquisador pós-graduando ou de iniciação científica precisa conciliar seus experimentos com seus estudos, suas análises de dados, suas reflexões e discussões sobre seus dados, publicar seu trabalho, participar de congressos e eventos científicos, com o subsídio (quando ele existe) de uma bolsa como auxílio de custo que não é atraente em aspectos financeiros (sendo extremamente otimista). O pesquisador da universidade não tem uma vida mais simples, já que precisa conciliar suas próprias publicações com aulas, congressos, orientações a diferentes alunos, participações em conselhos e outras funções administrativas que seu cargo exige. Há um excesso de pressão, condições de trabalho por vezes escassas, prazos apertados que precisam ser combinados com uma vida social e familiar e uma saúde mental equilibrada. Em meio a tantos desafios, surgem dados de um experimento recém-realizado e, de repente, todas as frustrações são esquecidas e você já se vê com uma nova pergunta experimental e organizando seu calendário para começar tudo de novo e, quase que de maneira entorpecida, com um sorriso nos lábios.
Seja qual for a posição do pesquisador envolvido, pesquisa científica é, sem dúvida, para os apaixonados. Assim como a educação. Ainda nas Ciências Biológicas, como lecionar em uma sala de aula com mais de 40 alunos, recebendo um salário insignificante, muitas vezes em condições de trabalho limítrofes e jornadas de trabalho acima de 12 horas sobre DNA? Sobre o ácido nucleico que não pode ser visto a olho nu, nem sequer estruturalmente em dupla hélice no microscópio óptico? Só com muita paixão. Uma paixão exorbitante a ponto de conseguir despertar interesse no aluno e envolvê-lo no universo microscópico que pode ser resposta para boa parte do macroscópico.
É evidente que essa paixão avassaladora motivará educadores de diferentes áreas e, quando ela não está presente, o aluno constata instantaneamente. Ele pode não perceber nada a sua volta, pode não querer simplesmente dar ouvidos ao professor. Mas o professor que entra em sala de aula sem paixão é facilmente percebido, ele está em evidência o tempo todo, é como se os alunos pudessem sentir o cheiro da paixão.
Assim, a paixão nos motiva a ir de encontro ao que nos alimenta, o que nos faz sentir bem, mesmo que não conheçamos bem os caminhos que percorreremos para este fim. Para equilibrar a balança e não se deixar adoecer pela paixão no trabalho (ou pela falta dela), distribua sua paixão em diferentes níveis da sua vida. Apaixone-se todos os dias em algum nível pelo seu trabalho, mas olhe com novos olhos para seu (a) namorado(a). Descubra novamente seus amigos. Visite lugares que te inspiram. Perceba detalhes pequeninos do seu dia, o cheiro de um café recém-preparado, o vento bagunçando seus cabelos, um cachorro pedindo carinho. Isso é se embriagar de paixão e não se deixar sucumbir. É ter sua alma de volta no seu corpo, curtindo momentos valiosos e aprendendo com instantes não tão positivos assim. Apaixone-se todos os dias olhando-se no espelho.
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Catia Melo tem 36 anos, é de Santo André e é bacharel e licenciada em Ciências Biológicas, mestre em Neurociência e Cognição, especialista em Educação Especial e Inclusiva e em Libras – Língua Brasileira de Sinais.