IMPEDIMENTO – DEMIS NASCIMENTO

Escuta-se três choros, três sentimentos diferentes, o dia é 11 de dezembro de 1983 dentro da maternidade Menino Deus em Porto Alegre.

Maria Helena chora de dores do parto e de emoção por acabar de dar à luz. Paulo Roberto chora sem saber muito o motivo, mas acaba de nascer.

Renato, que também está na sala do parto, está aos prantos, mas não vê seu filho nascer pois estava vendo pela TV seu maior rival triunfar o título mundial interclubes no Japão.

Dor essa não seria menor se quem tivesse marcado os tentos da vitória não fosse seu xará, e Renato, gaúcho de nascença, sabe que isso lhe renderia diversas chacotas tamanha ironia.

Paulo Roberto cresceu rodeado da cor vermelha, aprendeu que seu mundo deveria ser colorado e que seu nome veio de um grande ídolo do time dos sonhos de seu pai, Falcão, mas não aceitava muito a ideia de ter que ser fanático pelo Sport Club Internacional mesmo também sendo um fervoroso apaixonado por futebol.

Maria sempre aconselhava seu filho: “Faça a vontade de seu pai, menino! Ele morre de amores pelo Inter, não dê esse desgosto a ele escolhendo outro time!”. Ela, por não ligar muito para futebol, aceitou, inclusive, casar-se de vermelho para agradar seu marido, a valsa foi o hino do Internacional e a cerimônia foi a noite para não ter que ver o céu azul, que é a cor predominante do  Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense. Maria dizia: “Se não fosse assim ele não casaria, ele ama mais o Inter do que a mim”.

Todos os aniversários de Paulo Roberto foram com temas de futebol, especificamente do time que alegra Renato e em todos os anos o aniversariante saía com cara de poucos amigos, claramente via que não estava nada contente. Perdeu as contas de quantos sorvetes deixou de saborear quando seu pai dizia: “só vai ganhar sorvete quem for colorado”.

Doze anos depois surgem boas novidades nada agradáveis. Renato chega com uma carteirinha de sócio de seu clube pra seu filho e Paulo Roberto com uma ficha de aprovação para ingressar na categoria de base do Grêmio. Uma verdadeira boa-má notícia para ambos. Ficaram sem se falar por um tempo, pois ninguém abriria mão de seu sonho e de sua paixão.

Para desespero de Renato, o Grêmio disputaria a final do mundial interclubes novamente naquele ano, mas para sua alegria, perdeu a final tornando-se apenas um vice-campeão. Renato vendo seu filho em prantos, similar ao seu quando Paulo Roberto nascera, sugeriu que o menino trocasse de time:

– Filho, seu pai é colorado, tu tens nome de ídolo colorado, cresceu ao redor de tudo que é do Inter, estou tri faceiro hoje e tu estás aí chorando por um time perdedor, é a hora de trocar de time.

– Pai, se tua empresa te decepcionasse, deixasse a desejar, te deixasse extremamente triste, magoado, chateado, tu trocaria de empresa?

– Com certeza!

– E se por acaso sua religião ou partido político mudasse conceitos e ideologia?  Ou, então, se a mãe não aceitasse casar com roupas vermelhas e hino do inter ou se ela te deixasse triste como estou, tu trocaria?

– Mas Bah guri, que pergunta! Claro que sim!

– E o inter? Se perdesse uma final, se fosse rebaixado, se levasse uma goleada. Sei que tu te revoltarias, mas o abandonaria?

-…

– Tu torce pelo sonho de ver teu time ganhar a final, voltar para casa sem voz de tanto gritar, seja de comemorações ou de xingamentos, mas se orgulha por estar completamente rouco, torce com tanta vontade que motiva a equipe, torce para que as tristezas se curem com abraços de torcedores até mesmo desconhecidos, tu te importa quando teu time dá vexame, mas na realidade não importa, porque no ano seguinte tu está lá de novo, torcendo, cantando, chorando, sofrendo. Trocamos hábitos e costumes, trocamos ideias, empregos, manias e até namorada se for preciso, mas a paixão pelo clube, mesmo que sofrida, é imutável. A camiseta do clube é como nossa verdade, não importa qual seja a cor, cada um segue a sua.

Maria, aproveitou a oportunidade para colocar juízo na cabeça de Renato:

 – Percebes, Renato? O guri está certo! Tu tinha que torcer pelas conquistas dele, mesmo o coração dele sendo do time rival.

Renato percebeu que estava exagerando e resolveu ceder, afinal ele não poderia ir contra o sucesso de seu filho só pelo fato dele torcer e jogar no time rival ao seu.

Paulo Roberto já com 23 anos de idade estava no auge de sua carreira futebolística. Renato ia a todos os jogos do Grêmio, parecia um legítimo torcedor gremista. Embora sua torcida fosse genuína para seu filho, e que ele quisesse muito que o menino não ficasse um jogo sequer sem marcar gols, Renato no fundo queria que o Grêmio levasse mais gols do que os tentos de seu filho.

Por ter acompanhado toda a trajetória do Grêmio naquele ano, Renato, mesmo que internamente estivesse torcendo contra, sem querer deixou de seguir e vibrar pelo Inter e só se deu conta disso no dia 17 de dezembro de 2006, dia em que seu time conquistaria o inédito título do mundial interclubes.

– Filho, por mais que eu torça, me emocione e arrepie pelos seus lances e gols, eu jamais torci para o seu time, a paixão que temos pelo nosso time do coração é algo imutável, constante e irrefutável. Estou imensamente feliz pelo título, todo aquele choro de 23 anos atrás se transformam em lágrimas de alegria, segurei aquela angústia por mais de duas décadas, hoje minha maior alegria é saber que além de também sermos campeões do mundo, o Inter jamais caiu de divisão  e nunca cairá, até porque time grande não cai!

Mal sabia Renato que em 2016 acontece  o rebaixamento do Inter no campeonato brasileiro.

Hoje Pai e filho sabem que não importa a situação de seu time, mesmo sorrindo ou chorando jamais deixarão de apoiar seus clubes e aprenderam a aceitar a escolha do outro e, dessa forma, Maria Helena pode finalmente revelar e exaltar o amor pelo Esporte Clube Juventude.

 

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Demis Nascimento (E-mail) tem 37 anos e já foi professor de inglês, jogador de futebol, motorista e hoje trabalha como analista e desenvolvedor de sistema. Mesmo trabalhando com linguagens de informática, a sua paixão sempre foi a linguagem literária com um toque de humor e amor. Pai de Isabela, Pedro e Eduardo. Considera que sua melhor profissão é ser pai.