|Lorca
Por Charles Berndt
Se há algo que valorizo, em termos de cinema, é o cinema latino-americano. Dentro deste nicho, obviamente, está o cinema brasileiro, sobre o qual tenho muito comentado nesta coluna. Pois bem, hoje gostaria de tecer comentários sobre um filme argentino que assisti há algumas semanas, Morte em Buenos Aires (Muerte en Buenos Aires), dirigido por Natalia Meta e lançado em 2014.
Ambientado na década de 1980, Morte em Buenos Aires possui um enredo simples: o inspetor Chávez é encarregado de investigar e solucionar uma série de homicídios – todos tendo como vítimas homens homossexuais – que têm acontecido na capital argentina nos últimos tempos. Nesta investigação ele conhece o sedutor e misterioso Gómez, um policial que atende pelo apelido de Ganso, que irá auxiliá-lo em seu trabalho. Em verdade, os assassinatos servem de pano de fundo, o filme, a meu ver, preocupa-se muito mais em explorar a relação desses dois homens e o modo como Chávez se deixará tocar pelo universo queer de Buenos Aires.
Remetendo de forma clara ao clássico Parceiros da Noite (Cruising), em que vemos Al Pacino dar vida a um policial que finge ser homossexual, durante a investigação de uma série de assassinatos envolvendo gays em Nova Iorque, o filme de Natalia Meta inova no sentido de não apenas narrar uma história de suspense, mas de nos mostrar, de forma sutil e delicada, as barreiras movediças entre a homossexualidade e a heterossexualidade. Assim, esses dois mundos se encontram e são explorados no filme, ainda que nem sempre da melhor forma. Sinto que houve um exagero no uso de determinados estereótipos, além de muitas cenas na delegacia, envolvendo personagens secundárias – enquanto espectador, esperava que a relação de Chávez e Ganso fosse melhor explorada, por exemplo. Seja como for, o filme merece destaque ao nos mostrar um homem de meia-idade, pai, que vive, aparentemente, um casamento malsucedido, apaixonando-se por um outro homem. A dúvida que nos fica, ou melhor, a pulga que nos fica a morder atrás orelha é: afinal de contas, Chávez é um homem gay enrustido ou é a paixão que começa a sentir por Ganso que desperta em si o desejo homoafetivo? Não faltam cenas, desde o início, em que percebemos que o inspetor sente ciúmes de Ganso, ficando incomodado ao vê-lo com outros homens e mulheres. Permanece a questão.
Vale ressaltar, também, a personagem desse policial sedutor, atraente, sagaz, interpretada pelo ator Chino Darín, que de fato consegue manipular e convencer não só o inspetor Chávez, mas o próprio espectador, em alguns momentos. Mais do que um filme de suspense policial, Morte em Buenos Aires é um filme sobre três coisas que cercam, perturbam e encantam todo ser humano: desejo, sexo e morte. Por fim, o filme de Natalia Meta nos faz refletir sobre o universo masculino, sobre as opressões que atingem os próprios homens, que também sofrem com a cultural patriarcal e heteronormativa, com os discursos de controle sobre seus corpos, sobre seu comportamento e sua sexualidade. Se vivêssemos em um mundo um pouco menos machista e homofóbico, talvez, pessoas como o inspetor Chávez não sofreriam tanto ao se verem atraídas por alguém do mesmo sexo. Felizmente, com o avanço das lutas feministas, com a conquista de direitos pelos cidadãos LGBT, isso está a mudar e cada vez mais a sexualidade humana passa a ser encarada sob um ponto de vista diversificado e pluralizado.