A LOUCURA DE KING – BEATRIZ BRASSAROTO

Para esta edição intitulada cachorro louco, nós vamos enlouquecê-los com algumas dicas de obras do nosso queridinho Stephen King. Não é novidade para ninguém que Stephen Edwin King é um dos maiores escritores de ficção e fantasia. Suas obras deram origem às diversas adaptações para o cinema. Influenciado por H.P Lovecraft, King direciona suas obras para além do imaginário dos leitores, que ao final dos contos ficam em dúvida se tudo foi real ou se a personagem apenas enlouqueceu.

Eu sou sua fã número um, não se preocupe com nada. Você ficará bem, eu cuidarei de você. Eu sou sua fã número um – disse ela. Nossa primeira dica é o filme Louca obsessão (Misery) de 1990, dirigido por Rob Reiner e estrelado pela maravilhosa Kathy Bates, que entrega uma atuação impecável. Na trama somos apresentados ao escritor Paul Sheldon (James Caan) que após finalizar mais um livro da série Misery, inicia sua viagem de volta para casa com o manuscrito em mãos.

Mal sabia Paul que aquele seria o início de um pesadelo sem fim, como se já não bastasse sofrer um acidente, o escritor acaba parando nas mãos de Annie Wilkes (Bates), e é aí que nós espectadores ou leitores somos mais uma vez surpreendidos por King, que consegue transformar uma situação banal em uma trama muito interessante. A forma que a loucura é trabalhada na obra é muito sutil, já que na primeira metade do filme a personagem que se intitula como fã número um se mostra amorosa e atenciosa ao cuidar dos ferimentos do escritor.

Na segunda metade do filme, Annie Wilkes se mostra agressiva ao perceber a vontade de Paul em retornar para casa, sempre escondendo a verdade e tornando sua relação com ele abusiva e claustrofóbica. Sem apelar para o gore, King consegue passar muito bem sua perspectiva sobre pessoas obsessivas, que no final das contas podem se tornar tão tóxicas ao ponto de levar ao extremo da loucura. Ao final do filme, temos a impressão de que King em alguns pontos estava falando de si mesmo. Trata-se de uma grande obra e mais do que indicada para fãs de suspense e drama.

Eu tenho a teoria de que Stephen King provavelmente tem medo de quarto de hotéis (ou fetiche), pois em sua vasta lista, encontramos, entre outras menções, O Iluminado (The Shining) que deu origem à um filme de mesmo nome, lançado em 1980, produzido e dirigido pelo brilhante – sim eu sou a fã número um dele – Stanley Kubrick.

Embora seja um clássico inestimável até os dias de hoje, muitos podem se encontrar surpresos ao saberem que King odeia com todas as forças este filme. Kubrick alterou boa parte da história para se adentrar nos padrões da visão que ele tinha sobre os personagens e sobre o tema que a história envolvia. Realmente isso acontece, porém ao meu ver a visão de loucura de Kubrick e King são similares e não altera nosso propósito aqui.

A trama mostra o drama sofrido por Jack Torrance e sua família ao aceitar a proposta de substituir a vaga de um zelador de um hotel que é fechado e isolado durante o inverno rigoroso, já que as estradas ficam completamente tomadas pela neve. O filme começa com um ritmo lento que segue até o final da primeira metade, construindo de forma gradativa a loucura que vai acometendo o protagonista (Jack Nicholson) e parte para o ato final ladeira abaixo rumo à loucura total, quando o personagem Jack sucumbe às forças que vivem no hotel.

O Iluminado é um marco para o gênero terror, é praticamente obrigatório para fãs do King e uma ótima dica para fãs de cinema no geral. Esse filme me fez descobrir dois novos medos: irmãs gêmeas e hotéis isolados. Uma característica marcante em seus livros, e que aparece nesta obra de forma sutil e até mesmo dramática, são os elementos paranormais de um universo fantástico. Embora king não tenha gostado do resultado final, sabemos que a adaptação cinematográfica trabalhou sim com os elementos paranormais, ainda que o tenha feito sob uma perspectiva diferente.

Não é à toa que King gosta de escrever sobre escritores traumatizados, provavelmente o mesmo tenha passado por diversas situações que o levaram a inspiração para escrever suas obras. Em Janela Secreta – filme que talvez seja mais conhecido pelos atores envolvidos do que pela própria obra de origem -, dirigido por David Koepp, o personagem Mort Rainey (interpretado por Johnny Depp) é baseado no próprio King. A primeira cena do filme parte do ponto que inicia a jornada de depressão da personagem Rainey, e já descobrimos aqui que ele flagra sua esposa Amy (Maria Bello) em um motel com um amante. Na tomada seguinte somos apresentados à nova vida do personagem central que após o acontecimento, se isola em uma casa afastada, à beira do lago, para se concentrar em sua nova obra. A reviravolta da trama se dá quando surge em sua porta um sujeito do interior, identificado como John Shooter, que alega ser plagiado por Rainey, que obviamente nega e ignora o sujeito.

Esse é o ponto de ignição para os acontecimentos tensos do filme. A trama se desenrola como um filme de suspense (dos bons), evoluindo cada vez mais assustador, a violência é na medida certa (como no conto de King), e aqui podemos destacar a atuação de John Turturro que se sai um ótimo vilão. O pulo da obra é justamente deixar nós espectadores o tempo todo na dúvida: Afinal, Mort Rainey plagiou mesmo a história de Shooter? E é aí que entramos no nosso tema Cachorro Louco, o final do filme, assim como seu desenvolvimento caminham na jornada do personagem principal e sua sanidade.

O final (que obviamente não darei spoiler) realmente me chocou. Embora lembre muito às obras de David Fincher, a trama é muito bem resolvida, além de ter uma conclusão criativa e perturbadora. Dentre as várias opções ruins do gênero suspense, A Janela Secreta se destaca como uma obra positiva, na qual o conto de Stephen King serviu mais uma vez como inspiração para um bom filme para a nossa lista.

E para finalizar, vamos falar literalmente sobre um cachorro louco em uma das obras mais conhecidas de Stephen King, Cujo, 1983, dirigido por Lewis Teague. Nesse caso King conseguiu despertar-me um medo por algo que nunca imaginei: temi um cachorro. E obviamente não é à toa, pois aqui ele transforma o Cujo, cachorro da raça São Bernardo, em um assassino.

Cujo é o animal de estimação de um garotinho chamado Brett (Billy Jayney). Ao perseguir um coelho, o cachorro acaba sendo mordido por um morcego. Aos poucos o cão que antes era dócil, contrai raiva e se transforma em um monstro ensanguentado de olhos vermelhos. O destaque vai para as cenas claustrofóbicas da mãe de Brett e do próprio garoto trancados em um carro cercados pelo cachorro raivoso e enlouquecido. Poderia ser uma história fofa da amizade entre um dono e seu cachorro como o famigerado Lassie (1994), porém King novamente transforma o cotidiano em algo totalmente obscuro e além da imaginação.

O que podemos concluir com nossa lista? Stephen King é um autor versátil que sabe trabalhar o imaginário dos leitores através de medos banais e cotidianos, transitando por caminhos angustiantes e acionando gatilhos que levam o ser humano à loucura total.

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Beatriz Brassaroto (@biabrassaroto) tem 23 anos e é publicitária. Seus maiores interesses são literatura, cinema e arte. Gosta das obras de Stephen King, tem como principal referência cinematográfica Alfred Hitchcock e é simplesmente apaixonada por Twilight Zone.