UM POEMA DE FÁBIO PESSANHA

fuligem e ferrugem

I

é sobre a estranheza
de se recriar abraços
e se inventar o amor
entre a fuligem e a
ferrugem o sacrifício
do metal que se entrega

à corrosão a graça
em juntar o carvão
e a raiva mineral
o atraso desse pleito
resulta num presságio
um aviso um inábil

realejo onde sonhos
são o forte de areia
desfeito pela chuva
que desce na cabeça
de quem não cabe dentro
da pessoa no espelho

mira porque se olha
improvisa o desejo
de ser o palavrão
que te comeu a boca
que te cuspiu a língua
que desfez a vaidade

numa tarde qualquer
que espuma onde houver um
cigarro mal aceso
durante a corrosão
desse trejeito avesso
de dar bom dia mesmo

quando a noite desfia
a lua a fim de ver
o raivoso cão ter
um ataque um acesso
de catalepsia
a vida abreviada

que não entra num beijo
nesse canino e cômico
efeito de inverter
oxigênio em fumaça
nesse formato amorfo
coloidal que pergunta

II

como a gente desenha
coisa que não se vê?

por que enxergar com olhos
se todo o corpo é imagem?

a loucura acontece
no misto entre ferro

e combustão, do foco
ao fogo, no arranjo

do martelo que amassa
a amarga vontade

de deixá-las inteiras
quando são só metades

de partes em construção.
é sobre a estranheza

de se recriar abraços
e se inventar o amor,

é sobre o estranho caso
de viver quando morre.

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Fábio Pessanha (Propriedade do Irreversível / Facebook) é poeta, doutorando em Teoria Literária e mestre em Poética, tudo pela UFRJ. Publicou ensaios em periódicos sobre sua pesquisa atual, a respeito do sentido poético das palavras, partindo das obras de Manoel de Barros e Paulo Leminski. É membro do NIEP – Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Poética, também na UFRJ. Coordenou e ministrou cursos no projeto de extensão “Poéticas – Projeto de Formação de Leitores Literários”, pela UNIRIO, realizado durante o ano de 2016 na Biblioteca Parque de Niterói. É autor do livro A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos e coorganizador do livro Poética e Diálogo: Caminhos de Pensamento, além de participar como ensaísta em outros livros e periódicos.