PREFIRO QUANDO ESPUMAM – LETICIA SANTOS

Olá, meus queridos, prontos para brincar de novo? É sempre um desafio escolher de que livros vou falar em cada edição, e nessa ainda mais, porque não existe um personagem que não tenha oscilação, ninguém está com raiva o tempo todo, livros são compostos de momentos, e precisei escolher os que foram mais emblemáticos para mim. Não é sempre que se pode lidar com as pancadas da vida como um monge budista, ou uma pessoa iluminada, que recebe os golpes e não só os aceita, como também evolui com eles, haja paciência e espiritualidade elevada. Ah, eu detesto esse tipo de personagem, como já disse antes, gosto de quem é falho, de quem sofre e surta, é o mês de chutar o pau da barraca. E isso combina com Agosto, o mês que não acaba, é o mês dos desesperados, dos cachorros loucos, e será o mês de começarmos a falar dos surtados mais amados de nossas leituras.

A imperfeição num personagem é essencial para que possamos nos afeiçoar e criar laços com ele. Há quem goste daqueles heróis totalmente perfeitos, os baluartes da moral e do altruísmo, mas eu não gosto, e espero que vocês também não. Eu prefiro ler gente que como meu amado Jason Todd – o segundo Robin, aquele que morreu apanhando com um pé de cabra – que só tomou pancada a vida toda, literalmente, ele apanha emocional e fisicamente, e que pela graça de bons escritores não virou um abnegado, ele abraçou foi a raiva. A satisfação da vida dele é se vingar, e mesmo que isso não o deixe sempre feliz e tranquilo, pelo menos os leitores ganham a alegria insana de ver os vilões apanhando ou morrendo. E sim, o filho adotivo morto e ressuscitado do Batman mata em suas fases mais sombrias, para desgosto e horror do papai. O fato é que de todos os Robins, Jason e Damian são meus favoritos porque são tremendamente dados a explosões de frustração e raiva, que em indivíduos altamente treinados e habilidosos é resultado garantido para uma leitura eletrizante. E, se nos quadrinhos temos muitos renegados e cachorros loucos soltos tanto pela Marvel quanto pela DC, nos livros, meus amados personagens cheios de raiva e ódio tendem a ter menos protagonismo, quase sempre eclipsados por um mocinho cheio de virtudes, ainda que possamos achar algumas belas exceções. Vamos falar sobre os meus lindos Royce Melborn e Hadrian Blackwater, os dois protagonistas da trilogia Revelações de Riyria, aqui no Brasil lançados pela Record, e cujo terceiro livro esperamos ansiosos há tanto tempo. Royce é obviamente o que reage mais violentamente, sendo que seu melhor amigo tende a ser mais dado ao perdão. O que eu gosto especialmente sobre ele, é a capacidade de parar, pegar toda a raiva por uma traição ou injustiça sofrida, guardar dentro de si e planejar cuidadosamente como soltar no inimigo na hora certa, já que às vezes, a raiva precisa ser cultivada antes de sair explodindo por aí. O que não é muito o caso de uma das melhores personagens femininas que li em anos, Lia, a princesa fugitiva da saga Crônicas de Amor e Ódio, que se entrega a sua vontade de fatiar inimigos quando é provocada até o limite. Suas ações impulsivas e guiadas por puro instinto são um deleite para os olhos, já que o leitor pode perfeitamente se colocar no lugar dela diante da mesma cena e dizer: sim, eu faria a mesma coisa. Que é basicamente a mesma satisfação que temos ao terminar de ler Volta para Casa, do Harlan Coben, cujo desfecho nos faz desejar ardentemente também ter uma arma e poder atirar em personagens, porque, cada vez que os pais desesperados querem ajuda para achar os filhos há muito tempo desaparecidos e não a conseguem, entendemos como poderiam chegar aos extremos para conseguir isso. E ainda podemos tentar entender como chegaram a um estado de pós-surto com a ajuda de Matthew Quick em O Lado Bom da Vida, seguindo em processo de restauração de um homem que chegou a seu limite. Ainda que meus preferidos nesse ponto de ruptura emocional sejam os preciosos A Lista Negra, de Jennifer Brown e Dezenove Minutos, de Jodi Picoult, que são leituras que nos fazem mergulhar nas emoções de tiroteios em escolas e mergulhar nas trilhas raivosas e tristes que deram origem a massacres. Os personagens e seus momentos de loucura e ódio são um exercício de empatia, e muitas vezes demoramos para nos livrar da carga emocional de um personagem muito bem feito. Preparem-se, queridos, nessa edição vou levá-los a lugares escuros e violentos, mas prometo ser gentil.

 

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Leticia Silva Santos (@laetitiasjc) é professora não praticante, formada em Letras, pela Universidade de Coimbra, devido ao seu imenso amor à literatura. Possui uma coleção de livros que nunca será grande o suficiente.