Vivemos em um mundo absolutamente caótico. Mas qual é o caos que não pode escapar e qual é a ordem que desejamos manter?
Desde o início da história humana, a ordem geométrica e o caos existem nas estruturas arquitetônicas. A ideia de ordem constitui o principal paradigma do pensamento universal e arquitetônico: Onde nasce a ordem, nasce o bem-estar, afirmou Le Corbusier.


Muitas vezes, a ideia de caos corresponde precisamente ao oposto de ordem, remetendo-nos para um cenário de confusão, desorganização, irregularidade, distúrbio, oscilação, imprevisibilidade, anarquia. A noção de caos, então, estará sempre relacionada a um fator impossível de prever, constantemente mutável, fluído, inesperado e disforme.
Entender o conceito de caos é fundamental para interpretar um mundo desconhecido em seu funcionamento. A história da ciência e o pensamento ocidental se basearam na continua dualidade de ordem e caos. Porém, cada vez mais o caos vem sendo decodificado e se produz uma nova conciência de impermanência e flutuação que a arquitetura parece não alcançar.
Nesse sentido, a ordem passa a ser uma exceção em um universo onde a desordem e a incerteza são o ordinário.

Ora, se a arquitetura refere-se precisamente ao processo ou produto de projetar e organizar o ambiente habitado pelo homem, e se este ambiente naturalmente é composto por um conjunto de sistemas complexos quase impossíveis de se prever, então, como se pode produzir uma arquitetura dentro do caos? Ou mais, seria a arquitetura capaz de adaptar-se ao caos, mas que tentar controlá-lo?
O início da criação de um projeto arquitetônico passará sempre por uma condição de incerteza. Esta imprevisibilidade do futuro do projeto, do acerto ou do erro, da funiconalidade ou seu total abandono, das intenções e das lacunas, vislumbrar-apagar e voltar a desenhar sobre o papel em branco, o vazio do futuro que talvez nunca chegue a existir. Esse processo incerto de criação é como uma nau sem vela, um barco que sai de um porto sem saber se volta, ou aonde chega.
Niguém melhor do que o Robert Frost para explicar tamanha incerteza:
Quando eu construo uma parede
duas coisas eu me pergunto:
o quanto ficou de fora
o quanto ficou de dentro
A incerteza cotidiana das necessidades futuras, em contraposição a permanência e estabilidade das práticas construtivas atuais, configuram uma arquitetura que já nasce engessada em sua total paralisia. A arquitetura contemporânea formal nasce velha, dada a sua estaticidade, a seu caráter imutável, irreversível. Uma arquitetura que pouco entende da organicidade e flexibilidade, que ignora as problemáticas sócio-ambientais e que vira as costas para a informalidade dos sistemas complexos transitórios e mutantes do caos, e mesmo assim, não consegue escapar dele.
A obra nasce e o programado, legislado, desenhado e executado pode ser que realmente não aconteça nunca.
Se o processo de criação da obra arquitetônica conta com a incerteza como elemento fundamental, por quê será que a concepção e execução da obra arquitetônica continua investindo em tentar cada vez mais controlar o instável: engessar os usos, segregar o diverso, separar classes, fechar acessos, impedir fluxos?
Na contramão deste entendimento, eis que aparece uma carta do arquiteto Alberto Campo Baeza ao arquiteto japonez Sou Fujimoto no qual ele defende rigorosamente o uso da razão frente ao espontâneo, ao flexível, ao instável:
“Eu tento transmitir aos meus alunos o que eu pratico: o uso de RAZÃO como o primeiro instrumento de Arquitetura, a RAZÃO cuja ausência leva à loucura. O que Goya descreveu muito bem em suas gravuras com o título: O sonho da razão produz monstros, e porque eu uso e defendo essa razão, eu prefiro os espaços, ‘procurados’ como resultado de um exercício intelectual, em vez daqueles espaços, ‘encontrados’, resultados do acaso e, portanto, mais superficiais e incertos”.

O ponto máximo da formulação de Baeza a Fujimoto é a defesa da Razão. De que os espaços, devem ser perseguidos no exercício arquitetônico do projetar. Para Baeza, os espaços “procurados”, aqueles previamente planejados para tal uso, valem muito mais que aqueles “encontrados”, elementos surpresas que vêm na pós-ocupação de um projeto, aqueles espaços espontâneos, criados pela simples ocupação informal. Espaços não esperados, não programados, não planejados, e sem embargo, experimentados e criados pelo natural uso e presença dos indivíduos e suas constantes inter-relações.
A rigidez da forma e a obediência da razão defendida por Baeza será revisada por Rem Koollhas em seu livro Post-Occupancy. Rem Koolhas dirá que a arquitetura só adquire sua verdeira dimensão quando a obra é utilizada na ausência do autor, produzindo espaços e relações inesperadas e informais.
Dentro deste sistema complexo, em que o presente é mutante e o futuro é cada vez mais imprevisível, a incerteza nos abruma e nos esforçarmos por encontrar respostas que muitas vezes não podem ser antecipadas.
Pensar soluções para projetar no universo complexo do caos faz com que a arquitetura repense métodos e alternativas que se aproximem de um desenho de antecipação como resposta às incertezas, através da introdução da flexibilidade programática nos projetos, para gerar estruturas capazes de assimilar futuras mudanças. Neste sentido, se buscaria a indeterminação do projeto para deixar aberto seu uso.
Ao mesmo tempo, a introdução ativa do fator tempo deve transformar o papel do arquiteto, que deveria passar a ser um gestor interdisciplinar na geração de um projeto aberto, democratico, sustentável, flexível e orgânico.
O produto da incerteza, dentro do processo e do produto arquitetônico, deveria ser sempre resultado da busca deliberada por gerar mais oportunidades espontâneas, informais, inesperadas, incertas e coletivas. O arquiteto deveria deixar de atuar como esse provedor da verdade e legislador de um futuro que se escapa no caos.
Por isso que jogar com o processo criativo, interdisciplinar e democrático da arquitetura participativa permitirá à geração de novas oportunidades dentro do processo projetual, fomentando a observação e o decobrimento, trabalhando com o tempo e a transitorialidade, comunidades e sociabilidade, sustentabilidade e versatilidade, o crescimento e a casualidade, o caos e sua imprevisibilidade como variáveis projetuais para que assim o inesperado possa ser cada vez mais frequente e a arquitetura cada vez mais flexível, adaptável e diversa.
O processo arquitetônico e o produto projetado nunca conseguirão escapar de um fator de inconstância e mutação, transformação, transitoriedade. Deveríamos aceitar a incerteza e buscar, então, um equilíbrio que oscile entre os polos opostos da ordem e do caos, chegando a ser a obra arquitetônica quase que um reflexo um do outro: uma experiência coletiva que fundamente uma arquitetura mais espontânea, social, sustentável, flexível e lúdica.
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Natalia De’Carli é doutora em arquitetura e mestre em cidades e arquitetura sustentável pela universidade de Sevilha. Atualmente vive e trabalha como arquiteta e consultora em Londres e acredita que um outro mundo é possível.
1 Para mais informação sobre o Le Moduler e a ordem estruturante de Le Courbusier ver: http://dai.ly/xw8prl ou https://vimeo.com/8572408
2 Ver: https://www.archdaily.com/529098/the-house-of-the-infinite-alberto-campo-baeza