Se ela demonstrou ciúmes, resolveu viajar pelo mundo sozinha, decidiu se separar daquele homem bem-sucedido (másculo, viril, a perfeita definição de macho-alfa), se decidiu dedicar-se totalmente à carreira, se resolveu não ter filhos, se resolveu ser dona de casa, alguém falará que ela está louca.
A mulher louca e descompensada é sempre aquela que não consegue engolir suas palavras, esconder seus sentimentos e se mostra humana, com acertos e falhas, muitas falhas, pois isso faz parte de nosso aprendizado. Mas nós não temos o direito de errar, o direito de perder a paciência, mudar o curso de nossas vidas, não é esse o comportamento que esperam de nós.
Não há nada mais incrível (e fere aqueles com fragilidade no ego) que uma mulher que sabe exatamente o que quer da sua vida, define seus caminhos e quem a acompanhará, ou seja, a protagonista de sua própria história.
Em contrapartida, lamento muito o preço que temos que pagar pela autonomia e compreendo quando muitas decidem seguir o fluxo, vivendo uma realidade paradoxal. A confusão mental e a cegueira epidêmica de gerações baseadas no patriarcado não toleram evolução, quiçá a liberdade, pois é necessário dominar e controlar, para se manter no controle. O medo de sermos quem verdadeiramente somos é muito bem ilustrado por José Saramago em Ensaio sobre a Cegueira e Ensaio sobre a Lucidez, nesse último uma das personagens centrais relata:
[…] em toda a verdade humana há sempre algo de angustioso, de aflito, nós somos, e não estou a referir-me simplesmente à fragilidade da vida, somos uma pequena e trêmula chama que a cada instante ameaça apagar-se, e temos medo, acima de tudo temos medo. (SARAMAGO, 2004)
Muitas vezes somos paralisadas pelo medo e pelo julgamento. Isso faz de nossa existência algo subestimado e angustiante. Portanto, acho extremamente louvável quando me deparo com histórias de pessoas que superaram a necessidade de se encaixar em padrões estabelecidos.
Eu admiro muito mais a desvairada do que a moldada pelos padrões, que aplaude o senso comum e reproduz o machismo. Desconfio de todos os humanos taxados de normais em uma sociedade totalmente doente.
Que sejamos cada vez mais rotuladas como loucas, pois aqueles que nos enxergam como tal ainda não perceberam que é necessário querer mais de nossas vidas, aproveitarmos profundamente nossas experiências e aprendermos com nossas escolhas, independente de qual forma terminará, pois teremos a certeza de que pudemos escolher, efetivamente, os nossos destinos.
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Viviane Beccaria (e-mail) é mãe coruja, professora e filósofa de botequim. Formada em Letras pelo Mackenzie e especialista em Língua e Literatura Inglesa. Apaixonada por cultura em geral (pop, cult, trash) e fascinada por música, tem uma trilha sonora (e um tema!) para todos os seus dias. Conte com ela para tomar aquela cerveja e conversar sobre o sentido (ou a falta dele) da vida.