COLUNA PITACOS
LETÍCIA SANTOS
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Precisamos falar sobre as edições da Darkside! Vocês já tiveram o prazer de pegar na mão um livrinho deles? Hein? Pelo amor de Atena, gente, é capa dura, folha de alta qualidade, uma coisa linda de ter nas mãos. Dito isso, devo dizer que o primeiro livro deles que comprei foi The Kiss of Deception, da Mary E. Pearson porque um amigo falou tremendamente bem do enredo e uma indicação fervorosa de Literatura Fantástica a gente não nega.
Esse é o primeiro livro da trilogia Crônicas de Amor e Ódio, a indicação dessa semana. Foi com grande admiração que abri meu livro e encontrei um mapa lindo e um livro estonteante, uma edição digna do topo da estante. Quando comecei a ler, me encantei com o mundo apresentado ali, ainda que não estivesse muito convencida do girl power da Lia, que fora tanto falado. O fato é que essa trilogia é uma jornada de herói, e sendo a Lia nossa heroína, ela tem que crescer ao longo dos três livros, e posso afirmar sem medo de errar: ela é uma personagem que foi extremamente bem construída e cresceu de maneira lógica.
Se no primeiro livro eu tinha vontade de chacoalhar Lia, para ver se ela deixava a infantilidade de lado e começava a ter atitudes responsáveis, já que reclamava tanto da falta de liberdade e opções por ser princesa, The Kiss of Deception é onde ela se rebelou, é onde começou a trilhar o caminho para a mulher forte que se tornaria no final da saga. Os três livros possuem algo em comum, que é Lia e seus momentos de desespero tingidos de uma determinação que a ajudava a transpor o momento, a Lia no modo cachorro louco está sempre espreitando, e isso é uma estratégia muito inteligente da autora. A nossa querida personagem tem seus momentos de surto, e cada um deles é melhor que o anterior. Já disse, prefiro os personagens cuja raiva parece algo real, que não cedem para as agruras da vida e seguem passivamente, a verdade é que eu gosto mesmo é de ver o ódio fervendo e o sangue escorrendo, porque nada motiva mais do que o desejo de vingança e de reparação, e aceito tanto no formato imediato e impulsivo quanto esperando longamente.
Ainda que no primeiro livro da série a Lia possa perder um pouco de foco devido ao mistério instigante de tentar adivinhar sobre qual dos dois homens perseguindo-a é o príncipe e quem é o assassino – já contei que nossa princesa foge do castelo e de um casamento arranjado momentos antes da cerimônia? É assim que começa o livro, e esse nem é o momento menos ajuizado da Lia. O fato é que além de ser uma personagem feminina com quem mulheres de hoje podem se identificar, Lia foge dos clichês de uma heroína em livros de fantasia, ela não fica suspirando de amor e esperando que um dos vários homens poderosos a seu redor resolvam seus problemas, ela usa as armas que tem para sair da enrascada que sabe que ela mesma se colocou ao fugir. O interessante de ler a Lia do primeiro livro é que ela começa fazendo uma birra mimada, que sempre me pareceu um esquema mais para chamar a atenção dos pais e medo de alçar sua voz na corte do que uma declaração de independência – para isso basta olhar o mapa do livro e ver onde ela foi se esconder – e ela termina me passando uma força de caráter e de espírito que me fizeram sair correndo para comprar o segundo livro. E se não quiser um spoiler de leve, pule a parte em itálico.
Fiquei com o olhar fixo nos corpos ali espalhados, cujos braços e pernas estavam contorcidos em posições não naturais. O cavalo de Walther jazia morto ao lado dele. Aos poucos, Kaden me soltou. Olhei para baixo, para meu ombro exposto, o tecido rasgado, e vi o avanço da garra e da vinha, senti a bile em minha garganta, o filete de muco escorrendo do meu nariz, e ouvi o som de asfixia em silêncio. Alisei minha saia, senti o meu corpo indo para a frente e para trás, sendo embalado, como se o vento estivesse soprando para longe o que havia sobrado de mim.
Fiquei ali sentada durante minutos, estações, anos, o vento se tornando inverno na minha pele, o dia cedendo lugar à noite e então tomando-se ofuscante novamente, árduo em seus detalhes. Cerrei os olhos, mas os detalhes ainda estavam brilhantes e exigentes por trás das minhas pálpebras fechadas, substituindo uma vida de memórias por uma única imagem sangrenta de Walther, e então, misericordiosamente, a imagem se foi, deixando em seu lugar apenas o cinza embotado e entorpecente.
Por fim, observei enquanto minhas mãos deslizavam até os meus joelhos e os empurravam, forçando o meu corpo a ficar de pé. Virei-me e os encarei.
E isso, meus caros, é o início da verdadeira saga da heroína, ela simplesmente teve seu momento de puro desespero. Ela abraçou a dor e a vontade de se render, ela domou seus sentimentos e seguiu em frente, e deixem-me dizer, a coisa só melhora no segundo livro, já que ela está tremendamente consciente da fragilidade de sua posição e de como ela é uma peça política e não apenas uma garota em busca de liberdade. Ainda que dos três, o segundo livro, The Heart of Betrayal, seja o que eu classificaria como o mais parado em acontecimentos – sendo franca, só os capítulos finais não parecem uma explicação narrada sem fim sobre Venda e o cotidiano do cativeiro, e mesmo que sejam momentos fascinantes e de excelente construção do folclore do mundo da autora, sair dos eventos sucessivamente surpreendentes do primeiro, para uma narrativa mais contida e didática no segundo exigiu de mim uma readequação de expectativa – é onde podemos ver Lia terminando de florescer como a personagem mais poderosa e decidida da série de livros. E onde tem o momento mais satisfatório, que me absterei de contar, para os fãs das reações da violência dela, já que do mesmo modo que ela foi capaz de encapsular os sentimentos no primeiro livro para sobreviver e seguir adiante, no segundo e terceiro livro ela solta toda a sua fúria nos momentos certos, dando ao leitor momentos de sublime satisfação com a personagem e a autora. Leiam essa saga, meus queridos, vale cada suspiro de surpresa ou de ódio e cada centavo.