A ESCRITA VISCERAL DE CONCEIÇÃO EVARISTO

COLUNA BLACKTUDE

POR VIVIANE BECCARIA

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Conceição Evaristo é uma escritora brasileira de renome internacional, porém, uma parcela pequena da população brasileira a conhece. Professora, mestre em Literatura Brasileira, doutora em Literatura Comparada e engajada nos movimentos negro e feminista, possui trabalhos que enchem os olhos e o coração.

Suas composições são repletas de denúncia anacrônica, proposital em suas narrativas cuja a intenção é mostrar que, apesar de toda evolução e progresso na sociedade, a situação das mulheres e dos negros continua a mesma.

Com formação extraordinária e em lugar de fala privilegiado, Evaristo se considera uma exceção ao carma de um povo marginalizado, sem oportunidades, sem voz. Isso me causou profunda identificação, já que também posso ser classificada como uma rara representante negra na elite intelectual brasileira. Em meio às dificuldades de sua situação, encontrava na escrita uma fuga de seus problemas, e mal sabia que, ao colocar na escrita os seus sentimentos e visão da realidade em que estava inserida, passava a cocriar o seu futuro como uma escritora fundamental para a reflexão social.

Seu repertório rico de denúncias, e ao mesmo tempo repleto de um lirismo apaixonante, remete-nos ao quanto ainda é necessário lutar por melhores condições e oportunidades aos silenciados por uma pequena parcela da população, a qual ainda sofre com uma síndrome alienante e resiste em enxergar uma realidade justa a todos.

Todas as suas publicações valem cada minuto de dedicação à leitura, porém uma especial tocou profundamente em meu coração: o arrebatador Insubmissas Lágrimas de Mulheres, uma obra-prima que relata o que é ser uma mulher negra no Brasil e como a sororidade entre nós pode ser capaz de nos tornar cada vez mais fortes, contribuindo para nossa evolução humana, acima de tudo.

Conceição Evaristo é a representação do que eu desejo ser ao me dedicar aos movimentos sociais. Ela é o espelho da alma de todas as mulheres desse país! Como sonho em, um dia, ter a certeza de que toda a população brasileira tenha acesso à uma Literatura que salva, que liberta, que nos transforma em pessoas melhores ao podermos enxergar melhor com o olhar do outro.

Encerro com um belo poema dessa magnânima mulher, e não teria como fazer diferente, seus textos são fascinantes e falam por si:


Do fogo que em mim arde

Sim, eu trago o fogo,
o outro,
não aquele que te apraz.
Ele queima sim,
é chama voraz
que derrete o bico de teu pincel
incendiando até às cinzas
O desejo-desenho que fazes de mim.

Sim, eu trago o fogo,
o outro,
aquele que me faz,
e que molda a dura pena
de minha escrita.
é este o fogo,
o meu, o que me arde
e cunha a minha face
na letra desenho
do auto-retrato meu.

Retirado de Poemas da recordação e outros movimentos

 

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Fotografia: Joyce Fonseca, (Flickr / Instagram), é mineira de nascença e viajante de coração. Formou-se em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto, tem a Fotografia como sua maior forma de expressão e meio de se comunicar. Aos 23 anos tem seu foco em trabalhos, histórias e memórias que a faz caminhar pelo Brasil, seja acompanhando um Museu Arte Contemporânea itinerante (FIOTIM – O Museu em Movimento), o MST ou seus trabalhos individuais com Memória de Velhos. A câmera é sua companheira e a estrada é a sua casa.