A primeira vez que eu vi um morto foi na saída da escola, numa quarta-feira, ao lado da padaria.
Todos comentavam que ele tinha sido espancado até morrer, porque era negro.
Não consegui desviar o olhar. A polícia chegou, a confusão cresceu. Tripas, ossos, o corpo dilacerado. Ele era entregador da pizzaria do bairro.
O asfalto estava cheio de fatias salpicadas de sangue. O corpo no chão deixou a multidão enojada. As mulheres choravam.
Eu tinha dez anos. Meu pai era o espancador.
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Alê Motta é arquiteta formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Participou da antologia 14 novos autores brasileiros, organizada pela escritora Adriana Lisboa. Interrompidos (Reformatório, 2017) é seu livro de estreia.