O FIM DA VIDA – MARCIO DAL RIO

O fim da vida

Uma insônia sem contar carneiros
Uma infância sem estrepe no pé
Um balanço de horas que evaporam
Um esperar que não é música
(o fim da vida)
Uma manhã longa como apito de trem
Uma lembrança que não dá nó
Uma amargura que não é café
Um alívio que não é refresco
Uma ânsia que não é de vômito
(o fim da vida)
Uma ereção que não é ficção
Uma boca seca que não é emoção
Uma batida na porta que não é o gás
(o fim da vida)

 

Viveu nesse mundo

Viveu nesse mundo sem mares.
Sombra de si.
Não foi marujo, não enfrentou tempestades.
O que viveu foram sertões
Vasta aridez
Linha fina quase sem alma
Sorriso comedido
O desejo longínquo
Confessa que desejou
Mas foi como mormaço
Passageiro.
Causou rubor.
Passou.

 

Ser tão só

O balanço do cangaço que embala e torna arredio.
São estes pastos cegos que consolam.
O segredo e o silêncio de tua limitada vastidão.
O lerdo movimento de tuas vacas de porcelana.
Vento que corre por teus parcos matos.
Poucos córregos, um açude cambaleante.
Não é a tarde que provoca.
Um sol quente que devora o magro lombo.
Adormece no assoalho carcomido de poucos cupins
Deixa esse mundo.
É, por si só, depois.

 

Viveu em vida

viveu em vida o silêncio tomado pelo silêncio
o silêncio tóxico e pecaminoso
aquele que contamina e torna tudo lento por mais que quisesse gritar
o silêncio o engolia o digeria vagarosamente
entregue ao silêncio eterno
minutos antes deu um quase sorriso;
(pôde enfim desfrutá-lo)

 

Se um dia

Se um dia foi menino, não foi menino
Diabo de garoto que não reage
Não brinca, não interage
Flerta como um magro vaga-lume
Flerta o mundo em severo silêncio
Um desmenino
Que se escondia em seu nada
Diga, algo menino
Era aquele olho de farol alto
A boca cerrada
Dentes pra fora dos beiços
Palavra nenhuma

Se um dia foi jovem não foi jovem
Não seguiu a moda, não teve os cabelos compridos
Não ouviu rock, não quis derrubar o mundo
Era um sério professor de geografia
Dentro de seus 14 anos
Esse menino parece um monge
Fica fechado em si o dia todo.
Não quer internet nem tevê
Um desjovem
Gostava de sentar com os velhos
De falar coisas velhas
Mastigando coisas velhas
Você não existe, um dia lhe disse uma colega de escola
Pensou seriamente que sim.

 

Últimas palavras

Diga a ele:
foram suas últimas palavras
antes que o céu
devorasse seu corpo combalido
durante o serão
de uma tarde de sábado
a vida lá fora
em nada mudou

 

Foi não foi
(Poeta é sempre dado para ser morto em vida)

Foi não foi em seu limiar.
Viveu, não viveu.
Confessa que teve vida
Não sabe se viveu
Não foi um menino visionário
Não foi um jovem revolucionário
Não saiu de seu quintal
Não conheceu mundos,
Não esteve
Não foi um aluno exemplar
Não foi um funcionário inspirador
Não foi um autor premiado
Não liderou sequer a si
Viveu como breve despedida
Aproveitou ao seu modo contido
Seus parcos momentos de emoção.

 

Tudo

Tudo o que não leu
Tudo o que não soube
Tudo o que não falou
Tudo o que não fez
Tudo o que não amou
Tudo o que não mentiu
Tudo o que não matou
Tudo o que não devorou
Tudo o que não devotou
Tudo o que não cobiçou
Tudo o que não tardou
Tudo o que não restou

 

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Marcio Dal Rio nasceu em Mococa-SP, em 1973, e vive em São Paulo. Desde 2006, escreve o blog Bloganvile, atualmente alojado em seu site oficial. Participou das coletâneas Palavras de Poetas 3 e 4 (Editora Physis, 1994 e 1995), Transitivos (Off Produções Culturais 2011), Curva de Rio (Editora Giostri 2017) e Carne de Carnaval (Editora Patuá 2018). Em 2016, venceu o Premio Maraã de Poesia, promovido pela Editora Reformatório com apoio da Academia Paulista de Letras, por meio do qual teve seu primeiro livro solo publicado, “Balada do Crisântemo Fincado no Peito” (Editora Reformatório 2017).