PEITO, AÇO RETORCIDO – MARCUS CARDOSO

5
há algo à espreita
à nossa espera

eu vi um homem sendo
carregado dos trilhos do trem
hoje

e parece que, quando o trilho
virou rubra água
coagulada
a gente não percebeu

4
eu vi um homem sendo
o que não queria nos vagões do trem
hoje

há algo à espreita

quando o trilho
virou homem
foi seu último parecer

3
há algo à espera
da nossa espreita
que não aguenta mais
esperar,
desesperar,

monstrumano cotidiano

2
eu vi um trilho sendo
tirado das linhas do homem
hoje

e parece que, quando o homem
virou monstro
a gente não percebeu

pois nos enxergávamos no homem
mas sempre fomos o monstro

1
eu vi um homem sendo
carregado dos trilhos do trem
hoje

e quando o trilho
virou rubra água
coagulada
todos aplaudiram

e seguiram
seguros
suas vidas

com um trilho
talhado
na memória

0
há um trilho à espreita
à nossa espera

 

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Marcus Cardoso é poeta, músico e historiador. Nascido em São Bernardo do Campo, lançou em 2016 “todo poeta mente sinceramente” e, em 2018, a plaquete “palimpsesto, eu”: ambas de modo independente. Participa como músico compositor da banda Quarto e só e do projeto Reticente. Segue buscando maneiras diversas de atravessar o múltiplo subúrbio da palavra.