PEQUENA FAMÍLIA COLLINS – ALINE BEI

Tarso Collins nasceu no circo, família de trapezistas, até aí
nenhum problema, o Tarso foi
crescendo, de bebê virou garoto, descobriu, entre tantas coisas, que
tinha medo
muito medo de altura.
no começo fingiu que não
pra agradar o pai um grande homem, mas
toda vez que subia escada
lágrimas brotavam de seus olhos piorando, o corpo tremia, e o braço
forte do Senhor Collins só queria saber do número, vai Tarso,
Pula:

o menino não pulava.

-não seja tão duro com ele. – a Senhora Collins pedia.
-e o que ele vai fazer se não for trapezista?
-não sei, que tal palhaço?
-palhaço? você está louca, nosso filho não tem graça.

no outro dia Vai Tarso
pula,

 

o menino não pulava.

 

depois de um tempo o Senhor Collins desistia
já que ele mesmo precisava ensaiar.

então o tarso descia as escadas lentamente
nunca olhando pro chão

e sentava cabisbaixo
do lado de fora do circo

como seria? se ele tivesse nascido em uma família de professores
ou médicos

-o menino não tem graça, o Tarso ouvia do Senhor Collins noite após noite

o silêncio da Senhora Collins concordando, o espelho do camarim também

até que um dia
a família acordou e
cadê? o menino

procuraram no banheiro, no estacionamento do shopping onde o circo ficava armado, quando viram
o Tarso estava no último degrau da escada

 

– o chão sem rede –

 

– desce daí, filho.

ele subiu como num sonho, pra acordar o Senhor Collins
com o Salto
mas o medo é mesmo um diabo
e acabou transformando o menino
numa pedra, por isso ele não descia, porque agora ele era de pedra

o Senhor Collins foi até ele o mais rápido que pode

só quando alcançou o último degrau percebeu que o filho
tinha virado uma
estátua, meu deus, Tarso, Tarso,

a Senhora Collins perguntou lá de baixo o que estava acontecendo

um filho de pedra
é o que está acontecendo, isso se dá toda vez que alguém usa o corpo do outro como continuação dos próprios desejos, com certas pessoas a petrificação acontece por dentro e mal se percebe
com o Tarso ainda garoto aconteceu por fora e foi didático, o Senhor Collins finalmente entendeu o desespero agora em pausa no rosto do filho e então deu um Salto

 

 

– o chão sem rede-

o tamanho que ficou a boca
da Senhora Collins, assistindo.

 

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Aline Bei nasceu em São Paulo, em 1987. É formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e em Artes Cênicas pelo Teatro Escola Célia-Helena. É colunista do site cultural Livre Opinião – Ideias em debate e foi escritora convidada na Primavera Literária; Sorbonne Université, França 2018. O peso do pássaro morto, finalista do prêmio Rio de Literatura e vencedor do prêmio São Paulo, é o seu primeiro livro.