os poemas são velhos, o mundo é novo. a privada está estragada novamente e cada cão da rua tem um dono imaginário. nem a perna do roberto ou a calça justa do freddie mercury, as notas finas, como o grito de uma criança, de phillip glass ou o piano ogro de tom waits reeditarão o decálogo de moisés dentro do meu coração, após você trancafiar a porta e ganhar a rua. te imagino mergulhando no mundo como uma sereia de metal cosmopolitana. meus olhos ganharão asas e o g.p.s. da minha escuta será martelado pelo teu salto quinze que some em fade out pelo corredor da morte. escuto os avassaladores gritos de quem espera pelo fechar de olhos dentro de mim. meus bandidos internos rezando queixas, suplicando enganos e lambendo agulhas futuras. o silêncio adentra a janela do quarto andar. o silêncio se dissolve na tv e no rádio. todos mudos. todos os móveis repousam agora. velório da casa. o meu gato chamado “anjo” se espreguiça no tapete rubro, me olha como um deus, como um diabo, me ignora. minhas costelas são canetas, minha carne é papel, a cama me imprime e me publica. deitando já cálido em febre, pensamentos úmidos. tua língua-martelo mói os poros da minha cabeça, abre uma vala, tua frase que diz “desta vez é pra valer”, frase veneno, presa de cobra que bate contra os túmulos da mente, acordando os que descansam em berço nada esplêndido. sumiu, tudo sobre você sumiu, tua voz, teu salto, teu nariz escorrendo, o som da presilha mordendo o cabelo cada vez que ajeita o coque esmiuçado em cores. tudo se foi. há roupas ainda pela casa e uma sacola de plumas e paetês do carnaval passado. a tua surrada corda do shibari. ah, a tua surrada corda do shibari. era a tua surrada corda de shibari até o momento que “anjo” miou para meus pés pendurados, pedindo comida.
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Felipe Pauluk é um curitibano residente em Londrina, jogou na loteria da vida e, numa quina, tirou o menor prêmio, a literatura. Lançou seu primeiro livro, Meu Tempo de Carne e Osso, em 2011. Hit The Road, Jack (romance), em 2012. Em 2015, outro romance, Town. Em 2016 lançou dois livros de poesia, Comida di butequim e Tórax de São Sebastião. Manual Prático de Perna Mecânico para Cantores é o seu mais recente lançamento, pela Bar Editora. Além de escritor, Pauluk também é roteirista e diretor de clipes.