O que dizer de um livro como este ‘Minividas’? É bonito e difícil. Bonito porque as palavras trabalham como alfaiate que recortam um tecido chamado realidade para com a matéria dela mesma resistir sem desistir dela. E difícil porque ainda que estejamos vestidos a caráter estamos diante de uma dificuldade de dizê-las em alto e bom som, vislumbrando azedo entre vida doméstica que exige com urgência a esperança e vida pública que nos escapa à potência de alguma mudança a respeito de todo conservadorismo ultrajante dos carreristas. Entre uma e outra coisa, há a possibilidade de costurar que se faz de modo íntimo e solitário, em diálogo com as referências intelectuais e afetivas. Costurar com palavras ainda é a atividade manual que mantém lucidez diante de um futuro errático.
Os poemas a seguir foram escolhidos pelo autor como uma degustação da obra, que tem lançamento marcado para o dia 20/12/2018, pela editora Cousa:
o homem jovial
é senhor adulto já
dono do próprio universo
na estrada não se perde
permeando anônimo a urbe
surge por apenas o tempo mínimo necessário
a se fazer de novo oculto
discretamente descrevendo
espaço vazio ao redor de sua quase ausência
no mundo indeciso ele afirma
atitude insuspeita
consciente de que qualquer ambiente requer desvio
distância desterro derrota
para não se deixar levar pela vertigem
mergulha nas brechas do cotidiano estreito
para não ser notado envereda sorrateiro
nos intervalos dos dias
só assim consegue certo destino
*
definharam as grandes narrativas
soterradas por montanhas de escombros
sombras nos envolvem e nos destroem
os pilares se dissolvem no vácuo
incerteza desponta no horizonte
o terreno escorregadio desliza
ruínas sob os pés em espiral
padrões apodrecidos em colapso
caindo arrastam com o que deparam
o castelo de cartas desmorona
agora a nanonimidade manda
no mundo o daninho humano domina
pés pequeninos pisando penhascos
encontramo-nos num desfiladeiro
entramos no hemisfério da hesitação
ideias em avalanche derretem
razões em combustão viram carvão
dez mandamentos lançados ao limo
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Wladimir Cazé nasceu em Petrolina (PE), passou por São Paulo (SP) e viveu muitos anos em Salvador (BA). Mora em Vitória (ES) desde 2009. É graduado em Comunicação Social/Jornalismo pela UFBA e mestre em Letras pela UFES e doutorando nesta mesma universidade, com pesquisa sobre tradução literária. Com Rafael dos Prazeres, traduziu “O assassino de porcos”, de Luciano Lamberti (Cousa, 2017). Antes de “Minividas” (2018), publicou os livros de poemas “Microafetos” (2005) e “Macromundo” (2010), além de folhetos de literatura de cordel.
Apresentação (orelha): André Fernandes é escritor, editor e curador.