|ERROR 404 LITERATO
Por Laís Reis
A convite da Carolina Hubert, editora da revista Vício Velho, vou estrear essa coluna sobre poesia. Pois ia… já não vou mais?
Vou, aliás, não só falar de poesia, mas das diferentes linguagens que podem ser empregadas como ferramentas do poético. Dessa forma, pretendo utilizar esse espaço para a livre investigação do assunto, empregando uma linguagem mais leve do que aquela que em geral sou obrigada a adotar na academia.
Falando em academia…
Se a gente usasse como parâmetro o modelo de beleza padrão, como a gente avaliaria esse gato?
Um gato! Ou gatinho?
Peraí… gato? E a poesia?
Preciso confessar uma coisa aqui, antes de tudo.
Desde que comecei a criar vídeo-poemas (e depois do processo traumático de cursar Letras e ler textos e mais textos e mais textos e mais textos e mais textos e mais textos e mais textos e mais textos e mais textos) tenho tido dificuldade em lidar com a linguagem estritamente verbal.
Já perdi a conta da quantidade de vezes que baixo um PDF com mais de 200 páginas escritas de alguma dissertação, com normas ABNT e toda a exigente formatação dos modelos de escrita acadêmica, que preciso ler para minha pesquisa e, depois de ler a muito custo, para a minha concentração de passarinho, durante uns quarenta minutos – e me sentindo uma guerreira com isso –, estando em um computador com acesso a internet, penso…
– “Ah, vou relaxar só um bocadinho…” …
…e fico horas
24 horas de Nyan Cat!; Nyan Cat ao redor do mundo!; Nyan Cat – Gênero Hopping; NyanCat Smooth Jazz [2 Hours]; Nyan Cat Dubstep Remix….
…. e mais horas vendo memes e vídeos inúteis no maior desbunde. Quem nunca?
Por isso que meu passatempo predileto na web, pesquisar vídeos, tem sido essa fuga do mundo verbal, e justifico para mim mesma que “ah, não, estou só tendo ideias”…
Então, para fazer valer esse tempo gasto sem nenhuma finalidade específica, resolvi aceitar a sugestão do meu amigo Caio – para quem enviei um gif de gatinho certa vez, já que ele se define como uma cat person – e escrevinharei um artigo com o tema: a semiótica do corpo lânguido dos gatos (título sugerido pelo próprio, aliás), já que vídeos de gatos, na minha opinião, são uma das sete maravilhas da internet.
Tenho certeza que pessoas que têm a mesma dificuldade de concentração que eu se sentirão contempladas com a temática deste primeiro artigo.
Mas o que é que gato tem a ver com poesia?
Marcel Mauss, o pai da antropologia francesa diz que “O gato é o único animal que conseguiu domesticar o homem.” O que será que os poetas pensam sobre isso?
(Legenda, gatos e poetas: Manuel António Pina; Jean Cocteau; Ernest Hemingway; Charles Bukowski; Ezra Pound; Haroldo de Campos; Lygia Fagundes Teles ; William Burroughs e Ferreira Gullar)
Ferreira Gullar questiona: Dizem que gato não pensa / mas é difícil de crer. / Já que ele também não fala / como é que se vai saber?
Sim, é verdade, gato não fala… mas será que não dá pra entender sua comunicação?
Pensar que a comunicação se dá apenas por meio da língua é um engano, esse é o primeiro ponto que acredito que deve ser bem esclarecido. A comunicação é estabelecida por meio da linguagem, seja ela verbal ou não verbal.
A cauda dos gatos revela importantes informações sobre sua linguagem corporal, por isso que quando levantada diz-se que expressa felicidade, eriçada pode ser sinal de ataque ou medo e, ainda, quando baixa, demonstra preocupação. As pontas das orelhas dos gatos também dão pistas sobre sua comunicação, bem como suas pupilas.
O que isso tem a ver com a semiótica do corpo lânguido dos gatos?
A semiótica é o estudo dos signos.
Leão, Capricórnio, Áries, Touro… não, pera!
Usando as palavras da professora Lúcia Santaella, um signo é: uma coisa que representa outra coisa. Parece meio besta, né? Mas faz todo o sentido.
Para Pierce, grande estudioso dos signos – não, não era astrólogo – o signo é constituído de três partes e, portanto, é triádico: representamen, objeto e interpretante.
O representamen é a parte visível do signo. Ana. C explica: “finjo escrever gato, digo: pupilas, focinhos / e patas emergentes”.
Dessa forma, as características visíveis do gato são descritas pela poeta e, por isso, somos capazes de construir em nossa imaginação a imagem de um gato. Isso porque estamos familiarizados com o objeto gato, ou seja, a coisa propriamente dita…
(Nossa Laís! Você está objetificando os gatos…).
Objeto é modo de falar, não precisa ser um objeto, pode ser qualquer outra coisa que seja a coisa real. Ou seja, se eu escrevo gato, a forma gráfica de gato é meu representamen, G-A-T-O que unidos me levam ao objeto referido.
Já o interpretante, que, na minha opinião, é onde reside o poético, é a capacidade que temos de fazer essa relação entre o representamen e o objeto, e que poderá ser “subvertido” pelo contexto, assim como eu fiz aqui no início do texto com o gato de academia.
Fora de contexto, um “gato de academia” poderia ser muitas coisas. Um gato que mora em uma academia de musculação, ou numa universidade, se a gente levar para o lado mais literal, ou, ainda, um elogio para uma pessoa que tem um corpo dentro do padrão de beleza. Tudo depende do contexto.
O poético, portanto, está aqui, na possibilidade de trazer mais de uma interpretação para um mesmo representamen, claro, levando em consideração que o leitor é capaz de compreender, além da linguagem literal, uma linguagem figurada e metafórica.
A semiótica vai muito além dessa explicação, como diz o poeta Décio Pignatari (que gostava de ser Signatari), “a semiótica é a ciência que ajuda a ler o mundo”, e por isso esse espaço é pequeno para um estudo que exige alguma concentração e seriedade (para além memes de gatos, rs), mas fica aqui um convite para pensar nesse assunto, já que ele será de grande importância nas próximas publicações, nas quais pretendo falar de poesia visual, vídeo-poesia e poesia sonora.
Falando em poema visual, trago aqui um poema que está no livro Alice no País das Maravilhas, do escritor Lewis Carroll, traduzido por Augusto de Campos (tinha muitas opções de poemas sobre gatos e vou deixar aqui um link para quem for apaixonado pelo assunto), que explora a relação semiótica entre a cauda do gato (ou como o poeta diz paramorficamente) e o seu desenho. Para saber mais informações sobre essa tradução, você pode acessar aqui.
Até a próxima!
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Laís Reis (Facebook), nascida em São Bernardo do Campo em 1989. Tem formação em Letras, Português e Latim Clássico, pelas Universidades de São Paulo e Coimbra. É poeta e proprietária do canal do Youtube Deslise. Participou da Cooperativa da Invenção: Poesia e Tecnologia na Casa das Rosas (2017) onde realizou a performance Estigmacão, que tratava da situação dos moradores de rua. Publicou “Faixa 2” (poema Ctrl Golpe) na revista Ctrl+Verso (giostri 2017) e recebeu o prêmio de melhor vídeo-poema no concurso Desvairada de Poesia 2017, com o vídeo “Poema de Verão”.
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