|ESCRITORXS DE QUINTA
Por Mauro Paz
Nunca fui colunista de nada. Nunca escrevi para veículo algum dando a minha opinião sobre o assunto X ou Y. Admiro os colegas que fazem isso com facilidade e maestria. Admiro também aqueles que escrevem bons artigos sobre teoria literária. Porém, pra mim, a parte mais difícil de escrever sempre foi delimitar o tema. Para escrever essa coluna não foi diferente, principalmente porque enquanto eu buscava em rascunhos algum assunto interessante, minha cabeça repetia as imagens do vídeo que assisti no último dia 15 de fevereiro.
Cogitei escrever sobre a última leitura dos Escritorxs de Quinta: Sobre o Ofício do Escritor, onde Schopenhauer especula sobre a originalidade dos textos e dos estilos. Porém, me fugiam da memória os argumentos debatidos pelo grupo quando eu pensava que na sexta-feira de 15 de fevereiro, Pedro Henrique Gonzaga, 25 anos, morreu, dentro do supermercado Extra da Barra da Tijuca, depois de ser sufocado por um segurança.
Outro assunto que pensei em trazer para a coluna foi a minha descoberta de que a Universidade de British Columbia, em Vancouver, oferece 240 vagas por ano para o mestrado de escrita criativa, enquanto no Brasil o curso ainda é privilégio de poucas instituições. No entanto, pareceu um assunto banal perto da imagem do segurança Davi Ricardo Moreira estrangulando Pedro contra o chão do supermercado Extra. Um estrangulamento de dois minutos. Um estrangulamento cercado de vozes: “Tá sufocando ele. Ele tá com a mão roxa. Ele tá desacordado”. Com ouvidos entupidos de raiva, Davi não deu trégua ao jovem negro apontado como suspeito de furto, mesmo Pedro estando no caixa para pagar, mesmo Pedro acompanhado pela mãe que assistiu de perto a morte do filho.
Na tentativa de ser mais otimista, rascunhei uma coluna sobre eu ver a literatura como a principal invenção do homem para o aumento da empatia e que o incentivo à leitura transformaria o povo brasileiro em uma gente com maior compreensão do mundo, com melhor poder argumentativo e mais tolerante. Meu texto, porém, engasgou ao eu saber que o segurança Davi Ricardo Moreira, o estrangulador, foi solto no dia seguinte ao assassinato de Pedro. A fiança custou 10 mil reais. Meu texto engasgou porque sei que um caixa do Extra da Barra da Tijuca fatura mais de 20 mil reais em um dia. E Davi responderá em liberdade podendo pegar a pena máxima de 4 anos.
Gostaria de pedir desculpas a todos os leitores por essa não-coluna em véspera de carnaval. Prometo me empenhar mais. Acho que tenho até um assunto. Numa próxima coluna, talvez escreva sobre a indiferença do brasileiro perante ao nosso principal problema social: as cicatrizes abertas da escravidão. Ou até fale sobre literatura.
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Mauro Paz é escritor, publicitário e cineasta. Além da participação de diversas antologias, Mauro tem 3 livros publicados: Por Razões Desconhecidas (IELRS), finalista do Prêmio SESC de 2012; São Paulo – CidadExpressa (Editora Patuá); e do romance Entre Lembrar e Esquecer (Editora Patuá) finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2018.