|ESCRITORXS DE QUINTA
Por Graziela Brum
Talvez faça parte da minha imaginação, das minhas crenças, mas penso na criação literária como uma reação química, o substrato do encontro do desejo com a matéria exposta. Uma vontade jazida, submersa, que se desenovela na medida em que o autor sensível enxerga um viés para a obra artística diante do que se submete. Talvez tivesse que estudar melhor as teorias de Mallarmé e a sua relação com a Literatura. Aliás, de extrema importância para uma Literatura Contemporânea, em que às vezes a importância do escritor se sobrepõe ao texto.
Agora, não afirmo que todo artista se sensibilize desse mesmo pressuposto. Dizem, por exemplo, que Amos Oz escreveu um livro sentado no chão do banheiro. Veja bem, a mente humana é um enigma criativo e surpreendente, não é mesmo? Para mim, a Literatura é uma experiência, uma aventura que cultivo para me divertir e me relacionar com o mundo. Já fiz absurdos em busca da “inspiração” e, entre minhas arruaças literárias, corri risco de vida. Tanto é verdade que, para criar o romance que escrevo agora, Jenipará, entrei numa excursão de franceses no meio da Amazônia. Queria uma experiência profunda com a mata e, depois de uma caminhada de 7 horas entre pequis, inajás e samaúmas, ainda aceitei um passeio de canoa pelo Igarapé. Parecia inseguro, mesmo assim, não pensei duas vezes, precisava conhecer a Floresta Encantada, um paraíso. Era de se esperar, afundamos juntos aos jacarés e o desespero foi geral. Por um milagre, passava por ali uma lancha, nos salvamos sem nenhuma lesão física. Que experiência!
Depois disso, dei um tempo das minhas aventuras pela selva, tenho buscado gatilhos de criação em lugares menos perigosos do ponto de vista físico. Cheguei ao teatro. Que maravilha! Pura inspiração, ainda mais quando a peça surpreende pela presença de palco e habilidade dos atores. É verdade, sempre participei de saraus, a leitura dramática é um apelo para a escrita criativa e o ritmo do texto. Dessa forma, foi natural procurar a dramaturgia. O teatro tem me dado outra percepção da mesma leitura, aspecto útil e interessante na construção da narrativa e do personagem. Uma peça teatral nunca é igual a outra, assim como a leitura de um livro também não é. Uma relação que depende do tempo, da época, do repertório dos interlocutores, mas também do momento do dramaturgo e da percepção do ator.
No último final de semana, assisti ao espetáculo infantil Nem Isso Nem Aquilo, no Teatro Cemitério de Automóveis. O elenco traz Anette Naiman, Antoniela Canto, Gabriela Fortanell, Marcos Amaral, Marcos Gomes, Rebecca Leão e Walter Figueiredo, em quatro cenas curtas escritas por quatro novos dramaturgos. Em primeiro momento, não fiz nenhuma relação entre o texto que estou produzindo e a temática da peça, mas logo na primeira cena, uma mãe com o filho adolescente, percebi o quanto assistir àquela peça teatral estava enriquecendo meu repertório, sobretudo, porque estou construindo um personagem chamado Chico, um adolescente que vive na Floresta Amazônica.
Poderia dizer que a arte vem do que nos sensibiliza, vem da própria arte, da interlocução artística de várias modalidades que culminam numa experiência ainda mais profunda. Acredito que é preciso sair de dentro da gente, do que está a nossa volta, dessa primeira camada que se enxerga. Nem Isso Nem Aquilo me sensibilizou para o que estou produzindo em escrita. Foi muito bom!
Depois, ainda tive a oportunidade de conversar com uma musa do teatro nacional, Anette Naiman. Segundo ela, o Teatro é um templo sagrado para se conectar com o público pela arte. Recordei Clarice Lispector, que se dizia completa quando estava escrevendo. É o poder do estado de criação, o estado de poesia, a comunicação entre artes no processo de produzir. A construção da nossa trajetória pelos diversos caminhos que nos desenvolvem como artistas. Encontrei agora o Teatro e recomendo.
Sabadinho em Cena estreia
Nem Isso Nem Aquilo
Teatro Cemitério de Automóveis
Rua Frei Caneca, 384 – Consolação, São Paulo
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Graziela Brum é de Arroio Grande/RS. Escritora. Idealizou o projeto literário Senhoras Obscenas, o qual coordena junto com a historiadora Adrianá Caló. Participa do coletivo Escritorxs de Quinta, venceu o concurso ProAc categoria romance com o texto “Fumaça”. Publicou com Editor Lumme “Vejo Girassóis em você”. Atualmente escreve o romance Jenipará.