PERSONAS, PSICOLOGISMO DE BOTECO ETC. – LIV LAGERBLAD

1. Um você possível. Um eu.

Quando me puser à prumo
Desenvergarei as hastes que resistiram
A intempérie, e que vergam mas não quebram
Minha estrutura
Brutalmente frágil
E fragilmente rija em seu cerne
Hoje é a noite mais longa do ano
Eu vivencio ela rasteira e lívida
Sem lágrimas. Sem futuro
Sou um presente besta
Claro que calo e em meus nódulos
nada dói mais que a noite
Longa e umbra-fuligem batendo
no meu olho cada vez mais fundo

amanhece e eu nem água pra claridade
me cega mas dou de costas
vivo torta vendo as notícias
onde 39 quilos. Nada contra a cocaína.
Mas no avião da FAB é no mínimo um pouco demais.
O cônsul da espanha segurando a cagada do temível.
Parece uma falta de sorte¿ Zaz.
Na lataria do escudo da moral. Falsa como ali tudo
Parece que rui teu império, você se incendeia vivo
Anunciaria, espere e verás
Not today satanás.

 

2. Um outro aspecto, outro eu

Quero ver o asfalto
O fogo, a enchente
Aqui prementes em meus poros abertos
Nascidos do absurdo oco de meus gestos
Quando não nefastos então enfastiados
De branquidão adquirida como lufada de ar
Devastando as correntes
de vento neurônios tendões sangue
percorrendo o corpo, correndo e fustigando
esse breu que se vem a luz torna carmim

 

3. eu, o outro, e trocando a casca

todo esse movente sublime e mau de lembrar e esquecer todo o tempo a matéria bruta dessa memória. Você pensa, demencial, eu grito, diamante bruto e demônio no pé da orelha, precisamente no nó e desabando. Eu amo, eu vivo, eu morro pra além de ti, ontem hoje quando¿ sempre fora de tua vista presença alçada e aqui há o pó, há o sol, há o vento, e não ah mais nada. Aguento calada tudo, assombro e mutismo agudo. Apesar e com pesares destilo uma verborragia de rasantes.
Era hoje era ontem era antes. Desligo-me do céu, estrelas eu tenho por pústulas no breu e não contabilizo. Se você desvendasse um código meu. Se eles transpusessem isso em textos. dos mais vagos, que falam de si e não de mim apesar de estar coincidindo. Será tosco será breve será limpo. Mas certamente não indolor. sou a outra, desregrada demônia tarja preta. Quem quer-me a poética¿ uma lástima, as tetas vesgas e dispares. Quando digo queres surge um candidato ímpar acá¿ alhures. Se rires me meça à palmos o embuste. Traduz-se¿
Transliteração de outrora pra esta esfera, ferrenha feérica fera domada por quantidades cavalares de rivotril (sic) Remédio mais vendido do brasil. E grito varonil sem que a rima se sustente. Lançando a corda pra andar bamba e baby, entre os polos erudito de boteco e demencial intento ardente. Antes louca, hoje laica e delinquente. Aperta a língua na boca. Espreme a língua no dente.

 

4. Romper com a casca, tornar a outra. Onde o você é ela.

Sempre o limite transposto, tecido social rompido, a fibra esgarçada, rompante em agosto. Meu traço no chão as passadas marcadas de sair do banheiro nua e encharcada, pingando pelo assoalho. Você olha e ralha, eu rio e vazo, pro cômodo vizinho. O desajuste das vértebras da coluna me assusta e a dor me resgata o absurdo. ali onde uma vida sem feto no ventre, absorta penso em entupir de azeite a comida e morrer numa pequena mordida que se contém afoita e afeita ao cozy da cama, que amo de volta quando ela magnética clama que eu assinta um encaixar da coluna, das vértebras da coluna, agora desajustadas e a da alma grudando nos ossos como a fritura para a coifa, se é que há. o desajuste de minha face alinha-se ao da coluna e reingressa em mim num loop.
Desregrada, desfeita, apática e algo tosca, mas viva e sagaz, se pá zaz, estou estupor e brilho, aqui fico.
Desse lado não há um que venha me acrescer de desespero; aqui fui e estou um, dois dias inteiros.

 

5. Ela

Quero mascar a carne doce desse corpo largo, quero saber do doce, teu sal e amargo, arguto o dedo pinçando nervuras e a vida até agora agoura e arrebata. Algumas noites nos reunimos e até o amanhecer travamos estórias sobrepostas, alinhavadas, alinhamos estórias. Minha mulher-irmã de estrada, toda foda como uma orquídea negra que nascesse dum pedaço de concreto. Uma orquídea pedra. E vou longe e posso ver pétalas como películas rijas e se poderia quitina isso, que vejo já tornada em quase pedra dura pero viva. Ou ainda, meu amor é uma orquídea escorpião e se brota da carcaça dum. Toda prenhe de lascas firmes, de exoesqueleto.

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Liv Lagerblad (1989) esculpe desenha escreve letras poesias e prosas poéticas como esse livro, tem projetos com música, vídeo, artes visuais, performances, e o que mais pintar. Atuou na peça “a caixa preta de pasolini” embora a incursão no teatro seja pontual. escreve desde que se lembra, para sobreviver e compreender a realidade além de uma certa pulsão por registrar a vida através das mentiras e verdades emocionais em que a poesia se finca. na qual se gera, sem que se fie em nada. Tem dois livros publicados, um que leva seu nome, pela Coleção Kraft da Cozinha Experimental, outro chamado o cri§e pela Editora Urutau. Vive no Rio.