PESQUISA EM TORNO DO NOME DO HOMEM – MARCELO LABES

i.
Martin Luther pregou (quantas?) folhas
de papel onde havia escrito 195 teses
em oposição à igreja católica e ao poderio
romano no ano de 1517.

Suas ideias deram origem a uma aristocracia
alemã independente do Vaticano
o movimento foi denominado reforma protestante
[de onde surgiram também o calvinismo,
a igreja anglicana, a igreja presbiteriana etc.]

 

ii.
Da reforma alemã resultou a morte de 300 mil camponeses
e camponesas revoltados que a reforma não lher reformava
a vida embora o protestante Martin Luther se hospedasse
nos castelos de nobres ex-católicos porque também eles
protestantes.

 

iii.
Nada disso importa agora, pois a pesquisa
que aqui realizamos procura descobrir o porquê
do nome do homem, pois Martin Luther, o alemão,
é Martinho Lutero em português
Martín Lutero em espanhol e aragonês
Martin Lutero em italiano e basco e liguriano e maltês
Marteno Lutero em esperanto
Maarten Luther em neerlandês
Martin Lüter em azerbaijano
Martin Luder em estoniano
Marten Luther em frísico ocidental
Môrcën Lëter em kashubiano
Martin Lüter em lombardo
Luther Márton em húngaro
Martiño Lutero em galego
Martinus Luterus em latim
Marcin Luter em polonês
Marteinn Lúther em islandês
Màrtainn Lùtair em gaélico escocês
Mārtiņš Luters em letão
Martin Lotera em malgaxe

 

iv.
Se Ludovico von Beethoven
Se João Sebastião Bach
Se Carlos Marx
– o nome se traduz em importância
porque o nome é o que há de relevante
entre a capa do livro e a última página.

 

v.
I had a dream
E era o negro que dizia
I had a dream
diante a multidão
I had a dream
este negro tinha um nome
I had a dream
e não era um nome alemão

: então o conselho
o consenso
: então uma mesa
uma mão acesa

Toma a palavra o Sr.

Não há forma de se comparar
o protestante entre os protestantes
o líder entre os líderes
a cor é um artifício
evite-se a confusão
aportuguese-se o nome
abrasileire-se a coisa
intensifique-se a fé
no nome e em todas
as

 

vi.

enquanto Martinho Lutero
abrigava-se na casa de príncipes
e condes e barões e burgueses
uma criança passava fome
e uma criança que passa fome
é a morte de Deus, qualquer deus,
repetida e eternamente

Tragam a ceia

fronteiras adiante
um representante de Pedro
lambia os ossos
chupava a carne
trincava os dentes
de saciedade pensando
na guerra por empreender

Queimem-nos todos

Amém amém amém amém amém

 

vii.

Desvendamos pontuamos assinalamos:

proselitistas eles
desejosos de poder e gananciosos eles
liberais e vitoriosos eles

mas ele mais
o homem que se fez Pedro
o homem que se fez nome
o verbo que sobrevive depois da carne
se isso não é coisa parecida com /
se isso não é o segredo revelado

Babéis que se somam
por cima Deus em reverso

Entenderão onde quer que se esteja

e o filho alemão do Todopoderoso
desejando-se mais que filho
adquiriu recentemente o hábito antigo
de estar onde não poderia
através da palavra
: igualemo-nos todos, irmãos
e fez de si próprio nome
e fez de si Homem

 

viii.
Veja-se se para além da política
das estatísticas da metafísica
o homem tornar-se Homem
não é procurar assemelhar-se
ao próprio Deus ao querer-se
traduzido no cerne

talvez não tenha querido,
é verdade

mas existir é este jogo de quereres
e poderes para os quais não basta
ter apenas existido

: é preciso mover as engrenagens.


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Marcelo Labes
nasceu em Blumenau-SC, em 1984, e hoje reside na capital do estado. É autor de Falações [EdiFurb, 2008], Porque sim não é resposta [Antítese, Hemisfério Sul, 2015], O filho da empregada [Antítese, Hemisfério Sul, 2016], Trapaça [Oito e Meio, 2016], Enclave [Patuá, 2018], O poeta periférico [Edição do autor, 2018] e Paraízo-Paraguay [Caiaponte Edições, 2019]. Integrou a mostra Poesia Agora (edição carioca), em 2017. Tem poemas publicados em InComunidade, Mallarmagens, Literatura & Fechadura, Livre Opinião – Ideias em Debate, Ruído Manifesto, Enfermaria 6, Revista Lavoura e Revista Vício Velho. É editor na Caiaponte Edições.