queria ser uma estátua
quando era menino
os meus sonhos eram muito maiores
que eu
queria ser uma estátua
mas uma estátua de pedra
uma estátua cinzenta
muito cinzenta e grande
para os dias de sol tropeçarem no contraste
e ficarem mais longos e o céu ser só azul
sim, queria ser uma enorme estátua de pedra
não uma dessas estátuas imóveis e inúteis
carregadas de ideais que o tempo carcomeu
não dessas estátuas adormecidas e desnecessárias
a que com pompa lhes põem flores e lhes tocam
hinos de circunstância em dias de cerimónia
não
eu queria ser uma estátua de verdade
daquelas que ainda não existem
ah como eu queria ser essa estátua
enorme e imponente e de pedra
para oferecer à noite o calor guardado do dia
não necessariamente em forma de anjo
mas com asas
umas asas enormes
tão largas que pudessem abraçar o meu mundo
com todas as minhas fantasias
lá dentro
nos dias mais frios e quando a chuva é mais cinzenta
daria guarida às crianças que vendem em amendoins
a infância nos semáforos das vossas prioridades
uma estátua que vos olhasse o espanto nos olhos
quando lentamente me movesse serena
a observar-vos a lamúria que carregam às costas
a angústia que o dia a dia vos dá a morder
mas já sei
se essa estátua tem asas pode então
ser um pássaro
um pássaro com umas asas enormes assim
e assim quando à noite os meninos como eu
estivessem a dormir no relento dos seus sonos
e embalo das asas dos seus sonhos poderíamos
voar e ir por aí e ver as luzinhas que o mundo põe
quando finge que dorme para que o sol não acorde
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Francisco Guita Jr. nasceu em Inhambane, Moçambique, em 1964. É professor de língua portuguesa e membro fundador da Associação e do Caderno Literário Xiphefo. Tem obra dispersa em jornais e revistas nacionais e estrangeiros. Publicou os livros de poesia O Agora e o Depois das Coisas, Da Vontade e de Partir, Rescaldo, Os Aromas Essenciais. Vive temporariamente em Hanôver, Alemanha.