UMA MINHA ESTÁTUA – FRANCISCO GUITA JR.

queria ser uma estátua
quando era menino
os meus sonhos eram muito maiores
que eu

queria ser uma estátua
mas uma estátua de pedra
uma estátua cinzenta
muito cinzenta e grande
para os dias de sol tropeçarem no contraste
e ficarem mais longos e o céu ser só azul
sim, queria ser uma enorme estátua de pedra

não uma dessas estátuas imóveis e inúteis
carregadas de ideais que o tempo carcomeu
não dessas estátuas adormecidas e desnecessárias
a que com pompa lhes põem flores e lhes tocam
hinos de circunstância em dias de cerimónia
não
eu queria ser uma estátua de verdade
daquelas que ainda não existem

ah como eu queria ser essa estátua
enorme e imponente e de pedra
para oferecer à noite o calor guardado do dia

não necessariamente em forma de anjo
mas com asas
umas asas enormes
tão largas que pudessem abraçar o meu mundo
com todas as minhas fantasias
lá dentro

nos dias mais frios e quando a chuva é mais cinzenta
daria guarida às crianças que vendem em amendoins
a infância nos semáforos das vossas prioridades

uma estátua que vos olhasse o espanto nos olhos
quando lentamente me movesse serena
a observar-vos a lamúria que carregam às costas
a angústia que o dia a dia vos dá a morder

mas já sei
se essa estátua tem asas pode então
ser um pássaro
um pássaro com umas asas enormes assim

e assim quando à noite os meninos como eu
estivessem a dormir no relento dos seus sonos
e embalo das asas dos seus sonhos poderíamos
voar e ir por aí e ver as luzinhas que o mundo põe
quando finge que dorme para que o sol não acorde

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Francisco Guita Jr.
 nasceu em Inhambane, Moçambique, em 1964. É professor de língua portuguesa e membro fundador da Associação e do Caderno Literário Xiphefo. Tem obra dispersa em jornais e revistas nacionais e estrangeiros. Publicou os livros de poesia O Agora e o Depois das Coisas, Da Vontade e de Partir, Rescaldo, Os Aromas Essenciais. Vive temporariamente em Hanôver, Alemanha.