É com muito orgulho que escrevo estas palavras inaugurais por aqui. Elas são as primeiras de minha coluna na revista Vício Velho, espaço que tão gentilmente me foi concedido pela editora Carolina Hubert. Nele, pretendo tratar da ficção de horror e de seus arredores. O foco estará, de fato, nas narrativas literárias de horror — que constituem meu trabalho como ficcionista e também como pesquisador. Mas pretendo também abordar as vizinhanças desse instigante território. Ou seja, o fantástico, o insólito, o sobrenatural, o grotesco, o suspense, os thrillers; enfim, tudo o que for capaz de causar, em nós, um calafrio, um sobressalto, um assombro, um tremor.
Já que mencionei meu trabalho, gostaria de me apresentar brevemente. Como autor de horror, tenho publicados um romance (Bile negra, Pyro Books, 2018) e uma coletânea de contos (Horror adentro, 2016, editora Kazuá), além de participação em diversas antologias. Como pesquisador, cursei mestrado em Literatura e Crítica Literária na PUC-SP, tendo como objeto de pesquisa o fantástico nos contos “Ligéia”, de Edgar Allan Poe, e “A grande sombra”, de Mário de Sá-Carneiro. Atualmente, curso doutorado na FFLCH-USP, e estudo as narrativas literárias de horror escritas no Brasil nas duas primeiras décadas do século XXI.
Minha intenção, nesta coluna, é compartilhar com leitoras e leitores da Vício Velho os meus achados nessa trajetória dupla, de composição e de investigação do horror. E presumo que, ao longo dos textos, ficará evidente a minha paixão pelo objeto de que trato. Paixão antiga, cuja origem não sei bem apontar; mas que, hoje, consigo explicar melhor.
Para mim, uma boa história de horror está entre as mais elevadas formas de arte literária que existem. Explico-me: uma narrativa eficaz do gênero contém, quase que necessariamente, o drama e a tragédia. E, se analisarmos rapidamente qualquer lista de grandes trabalhos de horror (as obras de Poe e de Lovecraft, alguns romances de Stephen King, os contos de Clive Barker e a obra de Shirley Jackson, por exemplo), perceberemos que elas partem do realismo para se desenvolver nos territórios do assombro. Certas vezes, os textos abrigam até o humor. Em suma, na ficção de horror — aquela de qualidade, capaz de obter, de nós, uma resposta ou uma reação memorável — misturam-se os principais matizes da composição literária. Mas, ao fecharmos o livro, apenas uma tonalidade deve predominar: a sinistra.
Aqui, permita-me compartilhar o que entendo por narrativas literárias de horror: de forma simplificada, são aquelas em que há o predomínio do efeito estético do horror, ou a intenção de causá-lo por meio da composição retórica — ou seja, pela constituição dos espaços da narrativa, pelos elementos cenográficos, pela construção da atmosfera, pela estruturação da narração… Enfim, por todas as escolhas discursivas feitas pelo autor.
Permita-me, também, justificar a minha preferência pelo termo “horror” em detrimento de “terror”. Estou perfeitamente consciente dos impasses e das diferenças históricas entre ambos, que têm início com um famoso ensaio da autora britânica do gótico Ann Radcliffe (1764 – 1823) — neste link em inglês, você encontra um resumo dessas distinções. Por aqui, no entanto, utilizarei quase que unicamente o termo horror por conta de sua origem: o verbo latino “orrere”, que significa “eriçar” ou “arrepiar”. A meu ver, essas reações físicas resumem, de forma ideal e abrangente, o propósito das obras de que tratarei aqui.
Por falar em narrativas góticas: aqui elas aparecerão com muita frequência. Afinal, o gênero — inaugurado no século XVIII pelo romance O castelo de Otranto, do britânico Horace Walpole — não só foi a matriz da atual ficção de horror, como também do fantástico e do insólito na literatura. Até hoje, o gótico abastece o horror de inúmeras formas; em futuras colunas, tratarei dessas relações.
Em futuros textos, também trarei resenhas, análises críticas, entrevistas, coberturas de eventos e tudo o que estiver ao meu alcance para, quem sabe, atrair mais e mais pessoas a esse universo tão inquietante. É um sistema em cujo centro pulsa, incandescente, a maravilhosa concepção do escritor e dramaturgo polonês Witold Gombrowicz (1904 – 1969): “arte é perturbar os satisfeitos e satisfazer os perturbados”.
Então, fica o meu convite para a sua leitura. Seja satisfação ou perturbação, espero que você encontre, por aqui, o que procura.
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Oscar Nestarez é pesquisador e escritor da ficção literária de horror. No campo da pesquisa acadêmica, possui Mestrado em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP e atualmente cursa Doutorado pela USP, tendo como objeto de estudos centrais a obra de Edgar Allan Poe. Como ficcionista, publicou Poe e Lovecraft: um ensaio sobre o medo na literatura (ed. Livrus, 2013), as antologias Sexorcista e outros relatos insólitos (ed. Livrus, 2014) e Horror adentro (ed. Kazuá, 2016), e o romance Bile negra (ed. Empíreo, 2017), além de contos em diversas coletâneas. É também é colunista da Revista Galileu, em que aborda temas da ficção de horror.