QUATRO POEMAS DE CARLOS CARDOSO

Floragem

É o início da floragem
e todos os castigos
foram cumpridos,

meus pés não calejados
mas feridos
caminham fortes
e desprendidos,

o sorriso no rosto
não há,
o silêncio é meu único
amigo,

há de chorar
quem ouvir essa dor,

há de partir
quem não amar,

e de ficar
quem ousar compreender
todos os castigos.

 

Ora

Água translúcida
que toca a pele
pelo sexo,

tempestades
que caem dos olhos
em meio
ao nevoeiro.

Haverá algo mais
que palavras
em meio
ao perdão?

Poesia
ora errante
ora inconsequente
ora.

 

Se me perco

Nesse instante
um filme sem pausa
e sem reprise
me atormenta
não consigo
ouvi-lo ou vê-lo
nada me alimenta

minhas pernas
andam mais
inchadas
o líquido que
meu corpo retém
contém fibras
sal e gordura

talvez seja isso
que nessa tarde
figura
alguns espasmos
de brandura
e meu uniforme
amassado

assim ganho
um pouco
mais desse dia
se perco
a companhia
é nela
que reencontro

meu uniforme
amassado no
cabide
e alguns espasmos
de brandura.

 

Pedra

Quebro o gelo com as mãos,
não há um arrepio,
é tudo frio, tudo pedra,

paraquedas que não abre
quando o abismo é grande
e tudo se expande no peito,

o cateter, os músculos
e o pulsar do sangue,
e tudo se expande,

e tudo se comprime na pedra,
tudo fixa, enrijece,
só o que se retrai se expande,
só o que é pedra me atrai.

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Carlos Cardoso
(Rio de Janeiro) é autor dos livros de poesia Sol Descalço (7Letras, 2004), Dedos Finos e Mãos Transparentes (7Letras, 2005) e Na Pureza do Sacrilégio (Ateliê Editorial, 2017). Seu livro mais recente, Melancolia (Record, 2019), tem apresentação de Antonio Carlos Secchin e orelha de Heloisa Buarque de Hollanda. A obra foi eleita o melhor livro de poesia de 2019 pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes).

* Poemas do livro Melancolia (Record, 2019), ganhador do Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte.